Poucas leis brasileiras possuem um espectro tão amplo de incidência como o Código de Processo Civil (CPC). Ele é aplicável direta ou supletivamente, dentre outros, a litígios contratuais, possessórios, familiares, comerciais, tributários, administrativos, trabalhistas e previdenciários.
Transcorridos pouco mais de 11 meses da publicação da lei n° 13.105/2015, que institui o novo CPC, persiste nos meios jurídicos uma controvérsia relevante: afinal, quando entra em vigor a nova lei?
O CPC é uma das leis mais importantes do país, pois viabiliza o exercício de direitos fundamentais e dá efetividade aos atos da vida civil em caso de controvérsia judicial.
O notável professor austríaco Franz Klein já lecionava que se trata de conjunto de normas que rege a atuação dos litigantes, dos advogados, do Ministério Público, do juiz e de seus auxiliares (escrivães, oficiais de justiça, peritos etc.) em processos judiciais que não tenham natureza penal.
A data exata de vigência dessa lei tem consequências importantes tanto para os novos processos quanto para aqueles que ainda estarão em tramitação por ocasião do seu advento.
O rito, os prazos, as provas, os recursos, as cautelares, as sanções processuais e as multas são apenas alguns aspectos que sofrerão impacto no dia exato em que a lei nova entrar em vigor. Mas que data é essa, afinal?
O artigo 1.045 prevê que “este Código entra em vigor após decorrido um ano da data de sua publicação oficial”. E o 1.046 completa: “Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. A resposta parece óbvia, mas não é.
A lei nº 13.105 foi sancionada pela presidente da República em 16 de março de 2015 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte.
Estabelecer a data de vigência da lei pressupõe interpretar o alcance da expressão “após decorrido um ano”. Significado físico ou linguístico? Não, significado jurídico. Para essa finalidade, não basta contar dias ou meses, nem estabelecer analogias simplistas com outras leis.
Como ensina Norberto Bobbio, o jurista deve enxergar o ordenamento jurídico como sistema normativo íntegro, completo e coerente. Muitas vezes a resposta para dúvidas referentes à aplicação de uma lei encontra-se em uma segunda lei. É o que ocorre na nossa tarefa de definir a data de vigência do novo CPC.
O instrumento interpretativo de que precisamos está na lei complementar que a Constituição, em seu artigo 59, parágrafo único, diz ser responsável por normatizar a elaboração de outras leis. Trata-se da lei complementar nº 95/1998.
A chamada “lei das leis” esclarece que “a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral” (artigo 8º, §1º).
Compreendido isso, e realizadas as devidas operações mentais, percebe-se que a contagem da medida de tempo escolhida pela norma (o ano, e não os dias ou os meses) inclui tanto a data da publicação, que foi 17/3/2015, quanto a do término da “vacatio legis”, que será 17/3/2016, iniciando-se a vigência no dia subsequente.
Assim, obtém-se a data de 18/3/2016 para a entrada em vigor da nova legislação. A partir dela, todos os novos processos apresentados ao Judiciário serão integralmente regidos pelo novo código, assim como os processos em andamento, ressalvadas as regras de direito intertemporal.
BRUNO DANTAS, 37, é ministro do Tribunal de Contas da União. É doutor em direito pela PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisador visitante da Cardozo Law School, da Universidade Yeshiva, em Nova York.
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