Em editorial o jornal Folha de S. Paulo de 09 de junho de 2016 propõe a discussão para a sociedade brasileira sobre os limites éticos do corporativismo. No caso, o exercido por magistrados e promotores do Paraná contrariados com a divulgação de que seus proventos superavam em até 20% o limite constitucional do funcionalismo.
A informação foi dada pelo jornal Gazeta do Povo, tradicional veículo de comunicação impressa do Estado que publicou a lista nominal dos beneficiados e provocou a ira dos funcionários públicos que abriram processos idênticos em, pelo menos 15 cidades do Paraná, obrigando os jornalistas a se deslocar às localidades para comparecerem às audiências.
A iniciativa não é inédita daqueles que se veem despidos pela imprensa livre, mas, nesse caso, assumem contornos destaque porque é exatamente o Estado do Paraná que lidera um movimento nacional pela recuperação dos valores éticos da sociedade brasileira.
Reproduzimos abaixo a integra do editorial.
Má-fé corporativa
Diga-se com todas as letras: é absurda a campanha judicial que magistrados e promotores do Paraná movem contra o jornal “Gazeta do Povo”, abrindo, em pelo menos 15 cidades, processos quase idênticos contra o periódico.
A iniciativa tem obrigado cinco jornalistas a viajar dias seguidos para comparecer às audiências, deixando de trabalhar nesse período. Os pedidos somam R$ 1,3 milhão em indenizações.
As ações contestam reportagem na qual se revelou que magistrados e promotores daquele Estado recebem salários que, em média, ultrapassam mais de 20% o limite constitucional do funcionalismo. O veículo ainda publicou a lista nominal dos beneficiados.
Autores das petições afirmam que os pagamentos não violam a lei, pois incluem 13º, férias e outras verbas que não entram no cômputo do teto. Dizem também que foram ridicularizados após a publicação —o que, em suas fantasias de poder, justificaria a indenização.
O jornal sustenta que seu objetivo era expor e debater o teto constitucional –o qual, de fato, dá margem a confusões que uma regulamentação deveria dirimir.
A “Gazeta do Povo” praticou jornalismo. Lançou bem-vinda luz sobre os vencimentos de funcionários públicos. Se estes não se sentem confortáveis com os generosos proventos que recebem, poderiam liderar mobilização para reduzi-los.
Deveriam, além disso, aproveitar a ocasião para debater o assunto tendo em vista a média salarial no país, a crise econômica e o princípio da moralidade administrativa.
Em vez disso, decidiram tentar intimidar a imprensa.
Admita-se, por um instante, que estivesse em jogo um genuíno conflito de opiniões, e não a defesa de um privilégio. Nada haveria a contestar caso as associações dessas duas classes tivessem se mobilizado e proposto uma ação para pacificar o entendimento sobre o tema.
Os envolvidos, porém, revivendo estratégia que a Igreja Universal do Reino de Deus utilizara contra a Folha em 2008, optaram por bombardear o veículo e seus jornalistas com dezenas de processos pulverizados em várias comarcas.
Trata-se de estratégia coordenada com o vão propósito de silenciar os jornalistas, e não de legítima busca por reparação judicial.
A democracia equilibra a proteção à honra pessoal com os direitos de crítica, de informar e de ser informado, que estão na base dos avanços civilizacionais.
Quando aqueles que deveriam zelar pelo bom funcionamento desse mecanismo procuram deturpá-lo em favor de interesses próprios ou corporativos, a sociedade conhece mais um escândalo.
9 de junho de 20169 de junho de 2016
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