Um breve panorama da interpretação dos Tribunais Superiores sobre a forma de cálculo de débitos da Fazenda Pública

 
A questão envolvendo a atualização de valores devidos pela Fazenda Pública é bastante complexa e demanda análise da interpretação do tema pelos nossos Tribunais.
A regra geral relativa aos acessórios das dívidas contraídas pela Fazenda Pública, historicamente, sempre seguiu as mesmas normas aplicáveis ao particular, ou seja: (i) correção monetária calculada com base nas tabelas de atualização dos Tribunais; e (ii) juros moratórios até 10/01/2003 (término da vigência Código Civil de 1916) de 0,5% ao mês e após essa data 1% nos termos do art. 406 do Código Civil de 2002, cumulado com o art. 161 § 1º do CTN.
Em 29 de junho de 2009, foi promulgada a Lei Federal n. 11.960/09 que deu nova redação a determinados dispositivos da Lei Federal n. 9.494/97, alterando essa sistemática e passando a vigorar a instituída pelo art. 1º -F da Lei de 2009[1], a qual determina que a correção monetária deverá ser calculada pela TR e os juros moratórios calculados a partir de parâmetros dos juros aplicados à caderneta de poupança.
Ocorre que, a partir da nova legislação, instaurou-se uma intensa discussão no Judiciário, para definição tanto acerca dos índices aplicáveis quanto a respeito do termo inicial deles, já que havia discussão se a natureza jurídica daquela lei era material ou processual. Ou seja, se a aplicação teria efeito imediato (cunho processual) ou se sua incidência teria efeito apenas nos processos iniciados posteriormente à vigência da Lei (cunho material).
No ano de 2010, o STJ julgou o Agravo Regimental no REsp nº 1207197/RS e decidiu que a natureza da norma seria de ordem material. Já em maio do ano seguinte, no mesmo recurso, em sede de Embargos de Divergência, o STJ alterou o entendimento e reconheceu que a norma era de natureza processual.
Mais para frente, em outubro de 2011, em sede do Recurso Especial nº 1205946/SP, o STJ manteve o reconhecimento sobre a natureza processual da norma (aplicação imediata da norma aos processos em curso), porém negou o efeito retroativo. Isto é, os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização nela disciplinados. Por outro lado, no período anterior, os acessórios deveriam seguir os parâmetros definidos pela legislação vigente. (Até 10/01/2003 0,5% ao mês /  entre 11/01/2003 até 29/06/2009 1% ao mês, ambos com correção monetária pelas tabelas dos TJs. / A partir de 30/06/2009 atualização monetária pela TR e juros da poupança – 0,5% ao mês).
No âmbito do STF também foram proferidas decisões que impactaram nos cálculos das dívidas da Fazenda Pública.
Em março de 2013, o STF decretou a inconstitucionalidade da EC 62/09, que alterou a redação do art. 100 da Constituição Federal (ADIs 4425 e 4357) e, como consequência, reconheceu, também, a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.960/09, já que ambos dispositivos vinculavam a atualização monetária aos índices da poupança.
Por conta de divergência jurisprudencial, em junho de 2013, o STJ julgou o REsp nº 1270439/PR, em sistema de recurso repetitivo, e posicionou-se pela adoção do IPCA para a atualização monetária dos débitos contraídos pela Fazenda Pública. Nessa mesma decisão manteve os juros moratórios pela caderneta de poupança.
Em março de 2014, o STF, em sede de reclamação (RCL 17251), suspendeu liminarmente a incidência do IPCA e determinou a manutenção da decisão do STJ de outubro de 2011 até a modulação dos efeitos da decisão do STF de março de 2013.
Decorrido um ano, o STF modulou a decisão que havia proferido anteriormente, especificamente no tocante à inconstitucionalidade da EC 62/09 e fixou que até 25/03/2015 a correção monetária das dívidas da Fazenda Pública se daria pela TR e a partir daí estabeleceu a sua substituição pelo IPCA-E.
Em 26/09/2017, no julgamento do Tema 810 (RE 870.947/SE), o STF finalmente modulou os efeitos da decisão no que diz respeito à inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.960/09 e estabeleceu que, nos cálculos de cumprimento de sentença, a correção monetária aplicada às dívidas da Fazenda Pública deve ser o IPCA-E, desde a data fixada na sentença. O STF também reafirmou que os juros moratórios devem ter como parâmetro a remuneração da caderneta de poupança (0,5% ao mês).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar a correção e juros devidos pela Fazenda Pública, tem se posicionado consoante a orientação do STF. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2200549-02.2017.8.26.0000, j. em 27/11/17; TJSP, Apelação nº 1022782-63.2016.8.26.0053, j. 22/11/2017; TJSP, Apelação nº 0004147-46.2014.8.26.0627, j. 18/02/2017)
Como se vê, trata-se de tema de muita relevância para todas as esferas da administração pública, o que justifica as constantes alterações havidas no entendimento dos Tribunais Superiores.
Aguarda-se, contudo, que a resolução da matéria pelo STF possa se consolidar, visando a necessária segurança jurídica, tanto para a Administração Pública quanto para o particular.
 
[1] Art. 1o-F.  Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

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