A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao Recurso em Habeas Corpus (RHC 173.448) impetrado por uma empresária acusada de ato de improbidade administrativa, trancando a ação penal proposta para a apuração dos fatos.
A absolvição na ação de improbidade se deu em virtude da ausência de comprovação dolo específico e da obtenção de vantagem indevida por parte da empresária, dispensando, de acordo com a Corte, a manutenção da ação criminal.
No caso, uma empresária foi acusada de envolvimento em esquema de desvio de verbas públicas no Distrito Federal. Entre as acusações feitas contra ela, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apontou a prática de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), na seara cível, absolveu a empresária em 2020, levando-a a impetrar habeas corpus para buscar o trancamento da ação penal movida em razão dos mesmos eventos.
O pedido, contudo, foi negado pelo TJDFT, sob o fundamento da independência entre as instâncias cível e criminal.
Em recurso ao STJ, então, a defesa da empresária sustentou que, com a absolvição na ação de improbidade administrativa, não subsistiriam elementos fáticos e probatórios suficientes que justificassem a continuidade da ação penal para apuração dos mesmos eventos, devendo, portanto, haver o seu trancamento.
Na lógica do ordenamento jurídico brasileiro vigora o princípio geral da independência entre as instâncias cível, criminal e administrativa. Em outras palavras, significa dizer que cada uma dessas esferas jurídicas funciona de forma independente e, em princípio, ainda que digam respeito a um mesmo fato, as decisões proferidas em uma dessas instâncias não impactam as outras.
Há, contudo, exceções a essa premissa, existindo hipóteses em que as particularidades do caso impõem a influência de uma instância na outra.
A esse respeito, por exemplo, a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento de um processo que tramita em segredo de justiça, ponderou que “a independência entre as instâncias penal e civil não é absoluta, pois não é possível indagar a existência do fato e sua autoria no juízo cível quando estas questões se acharem decididas na esfera penal, assim como também quando nesta for reconhecida causa excludente de ilicitude, como o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de um direito”.
No caso julgado recentemente pelo STJ, em que pese tratar-se de uma situação um pouco diversa da apontada pela Ministra Nancy Andrighi, o STJ entendeu, novamente, tratar-se de uma situação a excepcionar a independência entre as instâncias criminal e civil.
No caso dos autos, o Ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca ponderou que a constatação da ausência de dolo contra os princípios da Administração na ação de improbidade esvazia a justa causa para a ação criminal, de modo que “se na instância cível ficou claro que não houve prática de ato contra os princípios da administração não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal.”
No entanto, é importante ressaltar que absolvição civil, por si só, não autoriza o encerramento da ação penal. Há que se analisar casuisticamente cada um dos elementos fáticos e probatórios, bem como as circunstâncias jurídicas que permeiam e fundamentam especificamente cada demanda.
Por outro lado, importante inovação legislativa foi implementada pela nova Lei de Improbidade Administrativa que, consolidando entendimentos doutrinário e jurisprudencial há muito já desenvolvidos no meio jurídico, a partir da promulgação do art. 21, §4º, vigente desde a publicação da Lei 14.230/21, estabelece que a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos na instância cível, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade administrativa prevista pela Lei 8.429, devendo haver, inclusive, a comunicação da esfera civil com todos os fundamentos de absolvição penal previstos no art. 386 do Código de Processo Penal.
No julgamento do RHC 173.448, porém, a 5ª Turma da Corte vislumbrou, de acordo com a especificidades do caso concreto, uma hipótese em que a independência das instâncias deveria ser excepcionada, pois a interferência benéfica do resultado da ação de improbidade administrativa na esfera criminal à acusada era inevitável.
Essa inevitabilidade, de acordo com o STJ, residiu no fato de que, se a conduta típica depende do dolo para configurar o crime e este foi afastado pela instância cível, o direito de punir perdeu a sua razão de ser e, juntamente com ele, a necessidade de levar adiante a persecução penal.
A decisão é importante, pois, conforme dito, excepciona um preceito consolidado do Direito Brasileiro ao admitir a repercussão de uma decisão em ação de improbidade administrativa na ação criminal que estava em trâmite e revela novo fundamento para o exercício do direito de defesa de acusados tanto penalmente quanto civilmente em matéria de improbidade administrativa
O julgado, portanto, representa importante avanço no campo jurisprudencial e revela nova tendência decisória da Corte Superior de Justiça em matéria de improbidade administrativa e criminal.
Os advogados do escritório Edgard Leite Advogados Associados estão à disposição para esclarecimentos e assessoria especializada sobre a matéria.
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