Autora: Marcia Heloisa P. S. Buccolo, consultora jurídica de Edgard Leite Advogados Associados.
A edição da Lei Federal n° 12.462, de 04 de agosto de 2011, ao introduzir o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, para as contratações necessárias para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, inclusive, relativas às obras de infraestrutura e de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos referidos campeonatos esportivos.
A nova lei trouxe profundas modificações na forma de se aplicar, e, em especial, de se avaliar o regime de empreitada por preço global, e resgata a sua validade e importância, dentre os diversos regimes previstos pela Lei Federal n° 8.666/93, trazendo novos ares para o melhor entendimento desse regime, inclusive, afastando entendimentos que praticamente o tornavam proscrito das contratações administrativas.
Posteriormente, em 2012, leis federais, complementando a Lei Federal n° 12.462/2011, estenderam a possibilidade de utilização do RDC para as obras que integram o Plano de Aceleração de Crescimento – PAC (Lei n° 12.688/2012), do Sistema Único de Saúde – SUS (Lei n° 12.725/2012) e os sistemas públicos de ensino (Lei n° 12.722/2012) ampliando a importância e trazendo maior compreensão do regime de execução por empreitada global.
Ocorre que, ao estabelecer regras claras e objetivas, mormente quanto à forma de composição dos preços orçados; ao resgatar a importância da qualidade e confiabilidade dos projetos, as citadas normas federais afastam, em larga medida, o estigma que tem acompanhado o regime de empreitada por preço global, inibindo sua utilização, por parte da Administração Pública.
A prática tem demonstrado que o Poder Público, atropelado pelas necessidades públicas, no limite, instaura procedimentos licitatórios, via de regra, pelo regime de empreitada por preços unitários, objetivando a execução de serviços e obras de engenharia sem, no entanto, o necessário cuidado e criterioso planejamento, com a elaboração de projetos que sejam tecnicamente consistentes, apresentem orçamentos precisos e completos, de modo a permitir a elaboração de propostas, técnicas e/ou de preços, viáveis, sérias e firmes.
Obviamente, essas imprecisões calcadas em projetos incipientes – fruto da falta de planejamento adequado da contratação – geralmente, provocam aumento significativo do valor final do contrato, posto que, ao longo da sua execução, são identificadas e corrigidas através das formalizações de termos aditivos, os quais, dada a sua indiscriminada utilização, perderam a credibilidade e se afastaram da sua verdadeira finalidade: promover as pequenas e necessárias correções de curso, que somente são detectáveis após o início e no curso da execução do objeto da avença.
O resultado dessa atuação é conhecido por todos, com impactos perversos ao Erário.
Seja como for, independentemente do regime de execução eleito, pela Administração, tem-se que, para a que a contratação administrativa atinja com a eficiência, economicidade e qualidade necessárias ao pleno atendimento ao Interesse Público, faz-se indispensável que seja objeto de criterioso planejamento e lastreada em consistentes estudos e projetos técnicos, acompanhados de orçamentos detalhados e confiáveis.
O emprego do regime de empreitada global – da mesma forma que ocorre com os demais regimes legalmente previstos – tem sua eficiência e validade atrelada ao detalhamento, precisão e confiabilidade dos projetos básicos ou executivos, nos quais se baseia qualquer contratação de serviços e obras de engenharia, por mais singelos que sejam.
Ademais, de ser lembrado que tal regime de execução tem como vantagem o fato de permitir, à Administração, conhecer, desde o seu início, o valor final da contratação, permitidas, apenas, as variações nos percentuais legalmente admitidos.
Com tal conhecimento prévio do valor final a contratação – e não meramente estimativo, como ocorre, na grande maioria dos casos e contratação pelo regime de empreitada por preços unitários, a Administração poderá, com segurança, fazer a reserva dos recursos financeiros necessários para fazer frente a tais despesas.
É sabido que a admissão de aditamentos contratuais, na hipótese de adoção de regime de empreitada por preço global fica adstrita às situações comprovadamente excepcionais. Os termos aditivos, assim, passam de mecanismos de correção das imprecisões, omissões e falhas técnicas do planejamento da contratação (o que, infelizmente, tornou-se uma prática nas contratações pelo regime de empreitada por preços unitários), para instrumentos de adequação das situações e condições, verdadeiramente, imprevistas.
Em sendo assim, a empresa, ao participar de uma licitação para contratação pelo regime de preço global, precisa ser mais criteriosa ao contemplar, em sua proposta de preços, os quantitativos e especificações técnicas, que deverão ser mais precisas e adequadas ao caso concreto.
Esse cuidado ganha maior importância ao se considerar que o valor contratual será aquele preço global ofertado na proposta vencedora da licitação, razão pela qual:
(i) a licitante deverá elaborar sua proposta de preços consciente de que deve, efetivamente, contemplar todos os preços e serviços necessários à realização do objeto contratual e
(ii) ao ser contratada deverá buscar maior eficiência na execução do objeto contratual e a racionalização dos custos ao realizar os respectivos serviços e obras, posto que a remuneração a ser percebida será aquela, e somente, aquela contemplada no valor global da contratação.
Impende observar que a Lei Federal n° 12.462/2011, ao introduzir o Regime Especial de Contratações, em sua redação atual, tratou de resolver um equívoco laborado, frequentemente, pelos examinadores, especialmente, os diversos agentes dos Órgãos de Controle, que ao analisar a regularidade das contratações submetidas ao regime de empreitada por preço global utilizava os mesmos critérios estabelecidos e aplicáveis às análises das contratações efetivadas pelo regime de empreitada por preços unitários.
Vale dizer, ao procederem à análise dos contratos administrativos, acabam por se deter nos preços unitários de cada um dos diversos itens que integram os diversos serviços contemplados no contrato analisado.
Em assim, deixam de considerar o que deveria ser o foco principal do exame, qual seja, a verificação quanto à:
a) compatibilidade dos valores medidos e pagos, com os termos do Edital e do contrato;
b) adequação das medições e pagamentos em relação aos valores previstos no contrato, para cada fase ou evento;
c) correção das medições e pagamentos, que devem estar estritamente de acordo com as fases estabelecidas no contrato e seus respectivos valores.
Nesse regime de execução a análise, quanto à regularidade da execução contratual, não recai sobre cada um dos preços unitários dos itens que integram cada tipo de serviço contratado.
Essa avaliação somente tem lugar nas contratações cujo regime de execução se dá por empreitada por preços unitários. Contudo, na prática, nem sempre ocorre assim.
Ou seja, a análise dos órgãos de Controle deve ser focada para o contrato, especificamente no que se refere ao pleno atendimento ao cronograma físico-financeiro, com suas fases e/ou eventos e a sua estrita correspondência com os respectivos pagamentos, e não mais para a análise e consideração dos preços unitários dos itens que integram os preços dos serviços contratuais.
Exatamente nesse sentido, foi prolatado recente Acórdão do Tribunal de Contas da União (Acórdão n° 1977/2013 – Plenário), que deve funcionar como paradigma para os casos análogos, no qual, após analisar um rigoroso Estudo elaborado pela SecobEdificação, Unidade especializada daquele Tribunal, sobre a aplicação do regime de empreitada por preço global nas contratações de obras e serviços de engenharia submetidas ao RDC.
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