Autora: Laila Abud, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
A Receita Federal celebrou um convênio com a Serasa e nas próximas semanas deve começar a enviar o nome dos devedores da dívida ativa da União para a lista de maus pagadores daquela empresa. Com isso, espera-se uma batalha judicial entre o FISCO e os contribuintes.
Para que seja iniciada, a drástica medida depende apenas de uma Portaria do Ministério da Fazenda regulamentando a forma como ela se fará, isto é, basicamente, qual tipo de contribuinte terá o seu nome incluído na temida lista da Serasa.
A Receita Federal sustenta que a inclusão dos devedores seria uma forma de proteger o sistema de crédito brasileiro. No entanto, o verdadeiro motivo para a adoção do sistema pode ser constatado ao se comparar o índice de recuperação de dívidas comerciais da Serasa, de cerca de 70% (setenta por cento), com o índice de recuperação da dívida ativa pela execução convencional, de 3% (três por cento) na Procuradoria da Fazenda Nacional.*
Para se ter uma idéia, segundo informações da Receita Federal, existem mais de 3 milhões de pessoas físicas e jurídicas na dívida ativa. Com essas informações, não é difícil chegar à conclusão de que a Receita Federal não pretende unicamente proteger o sistema de crédito brasileiro, mas sim aumentar o índice de recuperação dos créditos inscritos na dívida ativa da União e consequentemente elevar a arrecadação fiscal.
Sem dúvida, o aumento da arrecadação é um objetivo louvável, pois permitiria a redução da carga tributária. Todavia, a forma como se pretende atingir tal objetivo deve respeitar a legislação vigente no País e não é isso que se vislumbra nesse primeiro momento.
O simples fato de o contribuinte ser incluído como devedor na dívida ativa de qualquer Fazenda Pública (União, Estados ou Municípios) não quer dizer que o débito exista concretamente em relação tanto à sua extensão ou profundidade.
Em outras palavras, a inscrição do crédito na dívida ativa goza de presunção relativa e somente com essa precária presunção, a inclusão do nome dos contribuintes na lista de maus pagadores da Serasa é completamente inconsistente.
Enviando o nome do contribuinte a qualquer órgão de proteção ao crédito, a Fazenda Nacional está claramente pulando etapas e desvirtuando o sistema jurídico brasileiro, uma vez que já dispõe de um mecanismo processual elaborado exclusivamente para a cobrança da dívida ativa, a Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.380, de 22 de setembro de 1980).
À Fazenda cabe promover a execução da dívida por meio da Lei de Execução Fiscal – que, não obstante seja bastante rigorosa, permite a apresentação de defesa pelo executado – e não coagir os contribuintes por meio da inscrição de seus nomes no cadastro de maus pagadores.
Aliás, se não for tomado o devido cuidado, a ‘negativação’ do contribuinte, pessoa física ou jurídica, pode ocorrer mesmo com o pagamento do tributo.
Isso porque, em razão da quantidade enorme de obrigações acessórias (preenchimento de guias de pagamento confusas, livros fiscais e etc), é muito comum a ocorrência de pequenas incorreções como o recolhimento do tributo por um código diverso do correto.
Como não há o devido processo legal (apresentação de defesa) antes do envio de dados dos contribuintes à Serasa, pequenos detalhes como esse, teoricamente, já ensejariam a inclusão do nome de uma empresa no rol de maus pagadores, inviabilizando a sua participação em concorrências públicas ou a obtenção de uma linha de crédito.
Por outro lado, mesmo após a flexibilização do sigilo fiscal pela Lei Complementar nº 104/01, que alterou disposições do Código Tributário Nacional, a divulgação das informações confidenciais do contribuinte é absolutamente ilegal, principalmente a remessa dessas informações a uma empresa que não faz parte da administração pública. Não se sabe quais informações serão enviadas à Serasa, muito menos como serão enviadas. Quem garantirá que esses dados não serão utilizados de forma imprudente pelo detentor delas?
O entendimento do Poder Judiciário é bastante tranqüilo a respeito da impossibilidade da utilização de meios coercitivos indiretos para cobrar a dívida tributária, como também é pacífica a jurisprudência a respeito da concessão de indenização por danos morais em caso de inscrição indevida no banco de dados de órgãos de proteção ao crédito.
Dessa forma, a nosso ver a classificação do contribuinte como mau pagador desrespeita os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, uma vez que antes da inclusão do seu nome no cadastro da empresas de proteção ao crédito não lhe é concedida a oportunidade de se defender e tampouco há a apuração da certeza e exigibilidade do crédito cobrado.
* Estatísticas informadas pelo periódico Valor Econômico de 21/08/07.
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