Autora: Letícia Zuccolo, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Diversos municípios brasileiros, visando à melhoria da qualidade de vida de sua população, têm buscado implantar medidas – no âmbito da educação, saúde, moradia, lazer, segurança, entre outros – que atendam às exigências nacionais e internacionais. Com efeito, há uma pressão internacional, principalmente em relação aos países em desenvolvimento, pela melhoria gradativa da qualidade de vida com consequente erradicação de males como a fome, o analfabetismo e marginalização dos povos.
Dentre as medidas adotadas, por exemplo, pelas atuais gestões municipais de São Paulo e Rio de Janeiro, destacam-se as relativas à urbanização dos conjuntos habitacionais populares (favelas). No sítio eletrônico da Prefeitura de São Paulo, tem lugar de destaque a urbanização de favelas, o que segundo informações da própria Prefeitura, representa melhorias tais que atraíram olhares atentos de Universidades de renome internacional como as norteamericanas Harvard e Columbia.
Já no sítio eletrônico da Prefeitura do Rio de Janeiro, destaca-se o Programa Favela-Bairro, que, segundo informações da Prefeitura local, foi indicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Relatório Mundial das Cidades 2006/07, como exemplo a ser seguido. E não é só. Muitas outras cidades brasileiras têm implementado medidas similares.
Verifica-se, através da análise das medidas propostas por aquelas Prefeituras, que os principais objetivos na atualidade, com vistas ao incremento da qualidade de vida da população, referem-se à implantação de rede de água e esgoto, à remoção de pessoas que estão instaladas em áreas de risco e, ainda, à construção de moradias populares dentro dos parâmetros internacionais, isto é, com acesso a deficientes físicos, luz elétrica, áreas de lazer e espaço muito superior àquele encontrado nos conjuntos habitacionais até então existentes.
É importante ressaltar que as alterações propostas não trazem melhoras somente à população imediatamente atingida, mas atendem aos parâmetros internacionais referentes à qualidade de vida, como se denota, por exemplo, pela Resolução n° 21/2004 da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas que reconhece, por um lado, que habitações adequadas são essenciais para o desenvolvimento individual e, em conseqüência, da sociedade como um todo, e, de outro, afirma que políticas ambientais que visem à melhoria nas condições de saneamento básico influenciam a construção de um seio familiar íntegro.
Ademais, é de se ressaltar o quanto disposto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que teve redação alterada pela Emenda Constitucional nº 26/2000, exclusivamente para que fosse incluído no rol dos direitos sociais o direito à moradia.
Observe-se: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Notória, pois, a importância do direito à moradia e a necessidade de sua proteção e efetivação.
Contudo, há um ponto ainda não questionado pelas Prefeituras ou pelo Poder Judiciário, referente à doutrina que atualmente está sendo desenvolvida pelos estudiosos internacionais e brasileiros.
Trata-se da denominada teoria da proibição ou vedação ao retrocesso, pela qual se impõe que, estabelecidos parâmetros para efetivação de qualquer política pública, como nos casos apresentados, não poderá a Administração abandonar o patamar atingido e retroagir, admitindo projetos que sejam qualitativa ou quantitativamente inferiores aos parâmetros previamente aceitos.
É o que ensina o renomado professor constitucionalista, José Gomes Canotilho, ao afirmar que “o princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação` pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”.
Não se nega, por óbvio, que as medidas que estão sendo tomadas são extremamente necessárias e atingem problemas há muito combatidos. Todavia, é importante considerar que, no futuro, as opções feitas atualmente, podem ser exigidas como parâmetros mínimos para a qualidade de vida, tanto pela população, quanto pelo próprio Poder Judiciário, inadmitindo-se, assim, o retrocesso.
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