O Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou dois Recursos Especiais (REsp) que versam sobre a responsabilidade por danos ambientais após a transferência de propriedade, para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.962.089 e REsp 1.953.359).
A controvérsia que será decidida, cadastrada como Tema 1.204, é se as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, de modo que seja legítimo exigi-las de seus proprietários ou possuidores, antigos ou atuais, em relação ao imóvel.
Em outras palavras, o que se discutirá é se s a transferência do bem imóvel pelo antigo proprietário o libera da responsabilidade pelos danos ocorridos na propriedade enquanto era o seu titular.
No caso do REsp 1.962.089, o Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MPMS) sustentou que a natureza propter rem das obrigações ambientais autoriza que a antiga proprietária de uma fazenda seja responsabilizada pela degradação ambiental ocorrida no imóvel à época em que era estava na posse do bem, mesmo após a sua venda.
De acordo com o parquet, por se tratar de obrigação que recai sobre os proprietários e possuidores antigos e atuais do imóvel, são eles corresponsáveis pelos danos ambientais ocorridos na propriedade.
Contudo, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) entendeu pela ilegitimidade da parte recorrida, pois, segundo o Tribunal Sul-mato-grossense, a venda do imóvel rural teria transmitido os deveres a ele inerentes ao novo proprietário, tornando ilegítima a presença da antiga dona no processo.
Para entender o cerne da controvérsia que será dirimida pelo STJ, alguns esclarecimentos se fazem necessários.
Obrigação propter rem é a obrigação vinculada à coisa. É um dever que está atrelado ao bem, de forma que aquele que adquire um imóvel, assume as obrigações a ele relativas, independentemente de ter dado origem a tais obrigações.
Nesse sentido, no Direito Ambiental, a obrigação propter rem recai sobre a pessoa que detém o direito real sobre o bem imóvel (a posse, a propriedade ou outro direito real sobre a coisa) atribuindo-lhe a obrigação de cumprir a obrigação ambiental, reparando a área degradada, ainda que não tenha sido ele o poluidor.
Assim, aquele que tem a titularidade sobre o bem imóvel tem a obrigação de recuperar a degradação ambiental, sendo irrelevante questionar se ele contribuiu para o evento danoso.
Sem prejuízo da responsabilidade do atual proprietário, resta saber se a transmissão da propriedade exime o anterior proprietário das obrigações ambientais inerentes ao bem, ou se, de outro modo, a transferência faz com que ambos – adquirente e antigo proprietário – passem a ser solidariamente responsáveis pela reparação do dano ambiental.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 623, que determina que “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
Assim, parece que se o dano ambiental ocorreu por ação ou omissão de outra pessoa que não o atual proprietário ou possuidor, a obrigação de reparar o dano poderá ser exigida do causador do dano, do atual dono do imóvel ou, ainda, de ambos.
Nessa linha de raciocínio, a transmissão da propriedade não eximiria o antigo proprietário do dever de reparar a violação perpetrada ao meio ambiente, apenas tornando-o corresponsável pela reparação dos prejuízos, juntamente com o atual proprietário.
Com a afetação dos referidos recursos, todos os processos que tramitam na segunda instância ou no STJ, e que tenham como fundamento questão de direito idêntica ao do recurso afetado, serão suspensos até o julgamento do recurso representativo da controvérsia.
É importante ressaltar que a sistemática de julgamento de recursos repetitivos, prevista nos artigos 1.036 e seguintes, do Código de Processo Civil (CPC), tem como principais fundamentos a garantia da celeridade e da isonomia de tratamento na tramitação dos processos, pois viabiliza a solução da controvérsia de diversos processos, a um só tempo, no julgamento do recurso afetado.
O escritório Edgard Leite Advogados Associados está atento ao tema e acompanhará a solução da controvérsia com o julgamento do processo sob o rito dos recursos repetitivos.
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