Obra Pública, Concessão ou Parceria?

Fonte: Revista Ferroviária – 22.07.2013

As Parcerias Público Privadas estão a tornar-se populares como forma de financiar investimentos em infraestruturas essenciais, principalmente quando há carência de recursos públicos. Embora as PPPs ainda sejam relativamente raras na rede ferroviária urbana, muitos países já começam a atrair capitais privados, com diversos graus de sucesso.

Em janeiro de 2013, o Governo do Estado de São Paulo lançou um concurso para uma PPP com o intuito de projetar, construir e operar a nova Linha 6 do Metro, com uma extensão de 13,5 Km, de Brasilândia até a estação São Joaquim (Linha 1).
Com um investimento previsto de aproximadamente 3,1 mil milhões de euros até 2019, a nova“Laranja” será a segunda linha do metro de S. Paulo financiada por uma PPP. A primeira foi a linha 4 (Amarela), que iniciou operações em 2004 e fará ligação à Linha 6 na estação Higienópolis. Mas o Governo planeia avançar com outras PPPs no setor ferroviário na área metropolitana.

As Parcerias Público Privadas estão a tornar-se populares como forma de financiar investimentos em infraestruturas essenciais, principalmente quando há carência de recursos públicos. Embora as PPPs ainda sejam relativamente raras na rede ferroviária urbana, muitos países já começam a atrair capitais privados, com diversos graus de sucesso. Então, porque são as PPPs apropriadas e que medidas são necessárias para fazê-las funcionar?

Motor econômico

Os investimentos em infraestruturas são importantes motores para o crescimento económico, para a redução de custos, aumento da produtividade nacional e melhoria da qualidade de vida e do bem-estar social. Os especialistas estimam que os países devem investir, pelo menos, 1,5 por cento do PNB (Produto Nacional Bruto) anual para responder adequadamente às necessidades nacionais, além dos necessários investimentos sociais em saúde, educação e outros. Os países emergentes da Europa Central e do Leste europeu alcançaram o pico de investimentos de dois por cento do PNB em 2009, destinando 85 por cento do total a estradas.

Por outro lado, os países desenvolvidos investiram menos recursos públicos em infraestruturas. Em junho de 2012, o International Transport Forum (ITF) publicou um estudo que referia que os países da OCDE (excluindo Japão) investiram apenas 0,8 por cento do PNB anual nas infraestruturas domésticas, para construção e manutenção de estradas e ferrovias, nos últimos 15 anos. Uma redução significativa em relação a 1975, quando a Europa Ocidental destinava 1,5 por cento do PNB para o setor, concentrando entre 60 e 70 por cento dos recursos em ferrovias. Nos Estados Unidos da América (EUA), os investimentos alcançaram os 0,6 por cento do PNB anual, no mesmo período.

Para contornar a carência de recursos, os países têm procurado o capital privado, processo que se intensificou em Inglaterra nos anos 70 e continuou nos países em desenvolvimento (PVDs). Segundo o Banco Mundial, estes implementaram mais de 5240 projetos, no valor de mais de 1,38 biliões de euros, entre 1990 e 2011.

Investimentos Ferroviários Urbanos

Como foram realizados, historicamente, os investimentos ferroviários e na rede de metro? No final do século XIX e início do XX, realizaram-se alguns projetos de concessões ferroviárias privadas nos países emergentes, como foi o caso dos investimentos ingleses no Brasil. O país necessitava de transportar a sua produção agrícola, nomeadamente café, das plantações agrícolas afastadas dos portos do litoral. Surgiram, assim, as principais ferrovias junto às regiões cafeeiras, açucareiras, metalúrgicas e carboníferas. Em 1889, grupos britânicos controlavam 25 ferrovias, em oposição a onze linhas em 1880. Entretanto, na primeira metade do século XX, a maior parte destas ferrovias, em crise, foram fechadas ou nacionalizadas.

Excluindo o exemplo citado, muitos países implementaram as suas linhas ferroviárias através de empresas estatais, formadas com recursos orçamentais ou com empréstimos soberanos obtidos no exterior. Após a 2ª Guerra Mundial, os países emergentes passaram a contar também com empréstimos de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O Estado passou, então, a investir e a assumir os riscos dos empreendimentos até aos anos 70, altura em que necessitou de recursos complementares privados.

Project Finance

A participação privada concretizou-se através de privatizações, de concessões e de parcerias público-privadas, denominadas PFIs (Private Finance Iniciative) no Reino Unido. A principal diferença entre elas é que as primeiras são geralmente projetos economicamente viáveis, enquanto as PPPs necessitam de subsídios e de uma parceria governamental. Os dados disponíveis no ITF não indicam a repartição internacional dos investimentos entre obras públicas, concessões e PPPs.

Para viabilizar os investimentos, tornou-se necessário procurar recursos nos mercados financeiros e de capitais. Atualmente, o mecanismo mais utilizado é o project finance, diferente do crédito tradicional (corporate finance), concedido com base em garantias (ativos fixos, avais, equipamentos, etc.) fornecidas pelos devedores.

No project finance, as garantias virão do desempenho futuro do empreendimento, podendo haver alguma garantia adicional na fase de construção. Promotores e banqueiros farão estudos iniciais que permitam projetar com segurança os custos do investimento – em geral a preço fixo, lump sum ou turnkey – financeiros e operacionais, além das receitas previstas durante a concessão ou PPP. Como resultado, calcula-se a taxa interna de retorno (TIR) do projeto, a ser comparada com outras opções de investimento com prazos e riscos compatíveis. Se a TIR for muito baixa, não haverá interessados competentes e confiáveis para realizar o empreendimento; talvez apareçam alguns “aventureiros” indesejáveis que não realizarão o projeto a contento. Não é possível fixar a TIR por “decreto”, como fez o Governo brasileiro ao lançar as concessões rodoviárias federais, com tarifas de portagem abaixo do mercado.

Os concessionários vencedores não realizaram os investimentos necessários, solicitando modificações frequentes das condições contratuais originais.

Se funcionarem bem, os mercados financeiros e de capitais poderão ligar os investidores e aforradores aos empreendedores (sponsors) – e também ao Governo nas PPPs – e assumir alguns riscos dos projetos. Podem alocar recursos significativos aos empreendimentos, de 50 a 100 por cento do valor total do projeto em função do setor económico considerado (energia, telecomunicações, transportes, etc.). Aos sponsors caberá contribuir com o saldo (equity), de zero a 50 por cento do total. Exemplos: na Darford Bridge (Reino Unido) participaram com zero por cento, na Bangkok Expressway (Tailândia) com 20 por cento e no Phu My 3 (geração de energia no pragmático Vietname; isso mesmo, num dos últimos redutos do comunismo mundial !!) com 25 por cento do total, através da Életricité de France, Sumitomo Corporation e Tokyo Electric Power Company. Atraindo investidores, governos e empreendedores é possível multiplicar o número de projetos com uma limitada participação de capital ( equity) por empreendimento, transferindo parte dos riscos envolvidos. E podem ainda obter-se recursos a prazos mais longos e a custos mais baixos.

Exemplos de Sucesso

Será possível realizar investimentos ferroviários em meio urbano com parcerias privadas? No caso das concessões, dificilmente… Uma vez que muitas dessas empresas operam com tarifas subsidiadas, que impedem uma atrativa viabilidade económico-financeira dos projetos para o setor privado. É possível nas PPPs onde ocorram associação, parcerias e “patrocínios” entre o Governo e a iniciativa privada. Vejamos dois exemplos de sucesso: a linha 4 (amarela) do Metro de São Paulo e o TGV (comboio de alta velocidade) Tours-Bordéus em implementação em França. No primeiro caso, a infraestrutura (túneis, estações e via permanente) foi construída pelo Metro com apoios financeiros do governo do Estado e financiamentos do Banco Mundial e do JBIC japonês.

Coube ao concessionário privado, responsável pela operação da linha, a aquisição do material circulante e dos sistemas de eletrificação e de comando e controlo. Com o intuito de mitigar o risco operacional relacionado com a procura, o Governo desenvolveu um sistema de compensações financeiras recíprocas. Quando a procura fosse inferior à previsão, o Governo indemnizaria o concessionário pela perda de receita entre a ocupação inicialmente prevista e o número de passageiros realmente transportados. O privado, ao contrário, pagaria ao Estado caso a receita real fosse superior àquela prevista no concurso. Devido ao grande sucesso da Linha Amarela, densamente utilizada na rede de metro paulista, o concessionário deve pagar ao poder concedente o excesso de receita obtida pela operação da linha. O comboio de alta velocidade Tours-Bordéus é uma PPP entre o Governo francês e a iniciativa privada, visando projetar, financiar, construir e operar uma linha de 340 kms durante 50 anos. Te m um investimento previsto de 7,8 mil milhões de euros com subsídios e garantias financeiras governamentais (quatro mil milhões) e apoios privados (3,8 mil milhões de financiamentos e capital próprio=equity). A concessionária LISEA, liderada pela Vinci Concessions (33,4%), conta com a participação do capital da empresa financeira estatal francesa (25,4%).

Alguns Fracassos

Mas existem também projetos mal concebidos, que não conseguem atrair a iniciativa privada, como nas concessões do comboio expresso para o aeroporto internacional de SP (Guarulhos), e do Alta velocidade Rio de Janeiro-São Paulo. O primeiro viu o concurso cancelado pelo Governo, e, o segundo não conseguiu atrair nenhum grupo interessado pelo projeto nos três leilões realizados na Bolsa de Valores de São Paulo. Para explicar as razões dos fracassos, vamos considerar dois dos mais importantes aspetos para a viabilidade económico-financeira dos empreendimentos e para atrair investidores e financiadores: a procura e receita previstas; e a estimativa de custo dos investimentos.
No caso do comboio expresso, o mercado tinha dúvidas se o projeto teria retorno financeiro compatível com o risco a ser assumido. Acreditavam que as receitas não seriam suficientes para cobrir custos e investimentos, além de trazer lucros para um projeto novo de longo prazo, sem precedentes no país. Os investidores consideravam ainda a procura estimada anunciada pelo Governo muito otimista, inibida pelo teto tarifário máximo a ser cobrado pelo concessionário. Duvidavam também do valor do investimento proposto, considerado subavaliado. O Governo não apresentou nenhuma proposta para a mitigação do risco da procura, decidindo cancelar o projeto.

O Alta Velocidade Rio-SP, um empreendimento muito mais ambicioso, complexo e polémico do que o anterior, não tinha um estudo de procura fiável, nem um projeto de engenharia capaz de permitir a avaliação correta do investimento. Noutros países, empreendimentos semelhantes são orçados com o apoio de projetos antecipados e detalhados de engenharia. Já vêm indicados o traçado da linha, os túneis e viadutos, as expropriações, a qualidade do solo, obras civis, os estudos de impacto ambiental, entre outros requisitos técnicos. Mesmo assim, podem ocorrer erros graves como no Eurotunel, entre a França e Inglaterra, orçado em 6,9 mil milhões de euros e que acabou por custar 14,6 mil milhões de euros com uma procura menor do que a esperada. Acionistas e bancos credores lamentam até hoje os prejuízos advindos do controlo compulsório da concessionária deficitária.

Atenuar os riscos

Hoje em dia, os financiadores só entram num projeto com a garantia de preço fixo global assumida pelos investidores ou companhia de seguros. E também antecipam a otimização dos projetos, para reduzir custos, com o encurtamento de túneis e viadutos, alteração de aterros e otimização de blocos técnicos. Foi assim que se obteve uma economia de 18 por cento no (entretanto cancelado) projeto de Alta Velocidade Lisboa-Porto.

Os comboios expresso são muito complexos, pois fornecem a infraestrutura ferroviária, que inclui a subestrutura (engenharia civil, estruturas), a superestrutura (linhas, equipamentos, energia, sinalização), as estações, sinalização e comunicações. Depois vem a operação dos serviços ferroviários e a aquisição do material circulante. “Poucos projetos ferroviários foram bem-sucedidos”, conclui estudo da empresa Fitch Ratings, publicado em 2010. Assim, diversas PPPs ferroviárias falharam, ou depararam-se com problemas significativos – elevando custos e atrasando a conclusão dos projetos – como o Eurotunel (Canal da Mancha), os Comboios Expressos de Taiwan e Zuid, o comboio Paris-Londres, e a linha Perpignan-Figueras, entre França e Espanha.

As três principais áreas de risco dos grandes projetos ferroviários podem ser sintetizadas em: (i) baixa competência governamental; (ii) alta complexidade do projeto; e (iii) estudos de procura superficiais.

Fontes de Fundos

Quais são as principais fontes de fundos para infraestruturas nos mercados financeiros e de capital? A maior parte dos projetos conta com fundos locais e internacionais, incluindo créditos de bancos comerciais, emissão de obrigações (bonds), recursos de bancos multilaterais (Banco Mundial, BEI – maiores credores – ADB, EBRD, BID, etc.) e agências de crédito a exportação (ECAs – export credit agencies, como o Eximbank, Coface/BFCE, Hermes, e outros); recebem também empréstimos e garantias – além de equity – alocados por sponsors e fundos mútuos especializados (private equity funds).

Historicamente, a maior contribuição de recursos tem vindo dos bancos comerciais em parceria com ECAs e organizações multilaterais. O mercado internacional de empréstimos sindicalizados atrai os bancos privados, uma vez que permitem diversificar os seus portfólios, diluindo o risco comercial e respeitando as regras de adequação dos empréstimos ao património líquido das instituições. Os devedores, por sua vez, beneficiam com os créditos sindicalizados, dada a variação de prazos de vencimento (um a dez anos), a flexibilidade na disponibilização de recursos durante a construção e a possibilidade de refinanciamento futuro, se necessário.

A participação dos mercados de capitais ainda tem sido modesta, considerando o tamanho, a profundidade, a sofisticação e a variedade de instrumentos disponíveis. O mercado global de capitais tem potencial para financiar muitos projetos de infraestruturas economicamente viáveis, incluindo nos países emergentes. Há otimismo dos profissionais em relação ao desenvolvimento do mercado de obrigações para projetos de infraestruturas. As seguradoras e os fundos de pensões, por exemplo, precisam de fazer aplicações em ações que gerem receitas estáveis, a longo prazo, como acontece atualmente no mercado brasileiro.

Compreender as razões

O que precisam os países de fazer para ter maior acesso aos mercados globais de financiamentos e capitais para as infraestruturas? Primeiro, entender as vantagens dos investimentos privados em privatizações, concessões e parcerias – em vez de fazer críticas radicais às privatizações, ignorando os seus benefícios em setores como a energia, as telecomunicações e os transportes. Lamentavelmente, em alguns países emergentes, como o Brasil, ainda falta o pragmatismo necessário para compreender o importante papel do setor privado nas infraestruturas! Outras condições prévias permitiriam atrair investidores estrangeiros e nacionais, como a credibilidade dos governos e a estabilidade do arcabouço legal que regula as concessões e PPPs, visando proteger os direitos dos credores.

Há outros requisitos: viabilidade económico-financeira do projeto, risco-país administrável, pragmatismo político, forte apoio governamental, prioridade aos projetos de infraestruturas, arcabouço legal estável para os investidores, eficiente estrutura administrativa governamental, concursos corretos e transparentes, negociações concluídas em prazos e custos adequados, empreendedores e construtores privados de confiança, promotores experientes e com solidez financeira, repartição racional de riscos entre setores público-privados, estrutura financeira segura para os credores e estrutura contratual que reflita os aspetos económicos do projeto. Para concluir, agências reguladoras independentes que possam defender os interesses do Estado – não de um Governo – e da sociedade.

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