Autoras: Juliana Fosaluza e Letícia Zuccolo Paschoal da Costa, advogadas integrantes do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Apesar de regra tradicional, prevista no art. 333 do Código de Processo Civil, que estabelece que é do autor da demanda o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e do réu, por sua vez, a prova de fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, o Código de Defesa do Consumidor permite, excepcionalmente, seu afastamento (art. 6º, VIII). É a denominada “inversão do ônus da prova”.
Para tanto, o consumidor deve, ao ingressar com uma medida judicial, requerer a benesse, sempre que houver verossimilhança em suas alegações ou se tratar de caso em que é hipossuficiente em relação ao fornecedor.
Em relação ao momento para requisição da inversão, em que pese exista discussão na doutrina e alguns doutrinadores defendam que a benesse pode ser concedida a qualquer tempo e grau de jurisdição, atualmente prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a inversão do ônus da prova deve se dar em momento anterior à sentença, como se denota pelo julgado abaixo colacionado:
“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – MOMENTO OPORTUNO – INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA – PRETENDIDA REFORMA – ACOLHIMENTO – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. – A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida. – O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes. – Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido.” (Resp nº 881651/BA Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 10/04/07 e publicado no DJ em 21.05.07, p. 592.
Note-se que, como mencionado, não somente o momento adequado para requerer o benefício é tema discutido pela jurisprudência e doutrina. Há que se falar, também, nos requisitos da versossimilhança e da hipossuficiência.
A verossimilhança pode ser entendida como um forte juízo de probabilidade de que são verdadeiras as alegações do consumidor. Deve ser extraída do material probatório trazido à lide e por meio de indícios que reforcem a veracidade da versão do consumidor.
De outra parte, haverá hipossuficiência quando o consumidor estiver em condição de verdadeira impotência perante o fornecedor e que, por isso, reste prejudicado para produzir as provas em seu favor. Para constatar a condição de hipossuficiência é necessária a análise, dentre outros, da condição econômica do consumidor e de seu grau de instrução.
Não se pode confundir aqui, como usualmente tem-se visto, a condição de hipossuficiência com a mera vulnerabilidade, pois, enquanto esta última é presumida e se estende aos consumidores em geral, aquela deve ser averiguada e depende do caso concreto, especificamente.
Caberá ao juiz, dessa forma, na análise de cada caso que se lhe apresente, verificar se estão, de fato, presentes os requisitos para o afastamento da regra processual e a inversão do ônus da prova que pode, inclusive, ser determinada de ofício.
Não basta, outrossim, que o magistrado defira a inversão sem justificá-la, pois, ao fazê-lo, estaria violando o princípio da motivação das decisões, amplamente protegido (art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 165, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Trata-se, portanto, de regra especial e que somente pode ser aplicada excepcionalmente, quando o magistrado, verificando a presença dos requisitos legais, prolatar decisão interlocutória no processo autorizando a mencionada inversão.
Em que pese o consumidor merecer proteção especial, por ser o elo mais fraco da relação econômica estabelecida com o fornecedor, permitir-lhe a inversão automática do ônus probante seria ferir de frente o princípio do devido processo legal.
Não há, portanto, que se falar nessa inversão quando ficar constatado que o consumidor é pessoa esclarecida, bem informada e que possa, portanto, ter ciência do defeito do produto ou da causa do prejuízo, situações nas quais, certamente, ele terá amplo acesso aos meios de prova necessários à defesa de seu direito em juízo. Até mesmo porque, nesses casos, não é possível se falar em hipossuficiência.
Nesse sentido, já se pronunciou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação n.º 45.651-4, julgada pela 10ª Câmara de Direito Privado, em que era Apelada a empresa American Express do Brasil S.A.:
“Prova – Inversão do ônus – Código de Defesa do Consumidor – Hipótese dos autos em que não se trata de consumidor hipossuficiente – Ausência, ademais, de dados, elementos, indícios ou adminículos quaisquer que pudessem autorizar a conclusão no sentido de que as alegações contidas na inicial sejam verossímeis – Recurso não provido.” (Desembargador Relator Dr. Souza José, AC. De 24.06.1997, JTJSP 203/118).
Como visto, o ônus da prova e a possibilidade de sua inversão devem ser vistos com ressalvas e dependerão sempre de decisão motivada do magistrado, a quem caberá analisar, no caso concreto e sempre de acordo com os critérios de sua experiência, se há alguma das condicionantes legais que autorizem esse deferimento.
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