O Brasil conseguiu: vai sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, e agora?

Autora: Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo, consultora jurídica do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

 

Muito se tem falado sobre os preparativos para os dois super mega-eventos e os resultados positivos que o país e o povo brasileiro poderão usufruir, tais como: visibilidade, popularidade, incremento do turismo, aumento da ocupação dos hotéis e restaurantes, aumento significativo do emprego de mão de obra, para responder pelos dos serviços que serão necessários, legado para a comunidade das instalações e infra-estrutura, que serão implantados para viabilizar a realização das competições, etc.

De outra parte, as perguntas recorrentes são no sentido de qual o tempo que será necessário para a contratação e execução das obras das sedes, em especial aquelas sob responsabilidade do Poder Público.

Mas, em nossa opinião, a questão maior e que deveria demandar maior preocupação reside no planejamento técnico e logístico, na elaboração dos projetos básicos e executivos com o respectivo detalhamento, de modo a garantir a qualidade, adequação, segurança, e a efetiva utilização futura das novas sedes, no atendimento às necessidades e à demanda da população local.

Nessa tarefa, as empresas potencialmente interessadas nas contratações para execução das obras e serviços de infra-estrutura dos referenciados campeonatos esportivos devem, desde já, se mobilizar, organizando-se sob o ponto de vista técnico e jurídico de modo a estarem prontas para o momento da instauração das licitações para as contratações em apreço.

Cabe as empresas se inteirarem das exigências internacionais, essenciais à implantação das sedes, fazerem cotações consistentes relativamente a todos e cada item do futuro orçamento, pesquisarem no mercado, estimarem os respectivos custos, montarem simulações de projetos e do respectivo orçamento, de modo a, se e quando for o caso (e geralmente, é), tão logo sejam divulgados os editais de licitações, estarem preparados para apontar eventuais desconformidades nos projetos básicos e /ou executivos, distorções de especificações técnicas, inconsistências dos preços contemplados no orçamento-referência constantes dos editais, ou omissões de qualquer natureza, de modo a corrigir os vícios ou erros do Edital, no momento adequado, e permitir que a execução contratual não apresente sobressaltos.

O que se tem visto, rotineiramente, é que erros de cotação ou mesmo, até de digitação, nos preços estimados no orçamento da Administração, são sumariamente transcritos e, assim, repetidos nas propostas comerciais, ficando o problema para ser solucionado, através de aditamentos contratuais, ao longo da execução do objeto contratado.

Da mesma forma, que as empresas se preparam, previamente, para o atendimento das exigências de habilitação para participação nos certames de seu interesse, preocupando-se com a obtenção da atestação necessária, agrupando-se em consórcios, para fins de qualificação técnica e econômico-financeira, devem se preparar, desde já, buscando informações técnicas, sobre as exigências das uma análise crítica e profunda dos termos do Edital, de seus projetos, planilhas e especificações de modo a apontar desde logo, em sede de impugnação ao Edital, as suas inconsistências, falhas e/ou omissões, assegurando-se de que não haja necessidade de futuras e tardias correções, com a celebração de incontáveis termos aditivos, para alterar as disposições originais do contrato.

A recente realização dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, Pan-Rio 2007 demonstrou que o Brasil detém condições e capacidade de sediar eventos esportivos de repercussão mundial, e de atender, adequadamente, às inúmeras exigências de organismos internacionais, com as quais, muitas vezes, não tem familiaridade.

Contudo, a duras penas, todos aprendemos que a criatividade, o “jogo de cintura” e o poder de enfrentamento de situações desconhecidas, a ponto de tudo ser realizado “no peito e na raça”, para usar o jargão esportivo, podem nos custar caro.

Essas qualidades tão decantadas do povo brasileiro, nos dias atuais devem ser utilizadas no momento mais adequado: o do planejamento. Há que se planejar, com tempo, tranqüilidade, e competência técnica de modo a afastar o improviso, as soluções temporárias e emergenciais. È hora de concentrar todos os esforços no planejamento, programação e estabelecimento de estratégias racionais de escolha dos locais e implantação das sedes dos jogos.

O planejamento e identificação criteriosa e correta das especificações técnicas, consistência de preços, dos serviços necessários deve ser uma preocupação dos eventuais participantes da licitação, não sendo desejável que as empresas somente se mobilizem após a abertura dos certames, com a divulgação do edital.

Para tanto, as empresas devem constituir equipes técnicas multidisciplinares, constituídas, em especial, por técnicos e advogados, que oferecerão os subsídios necessários, preparando as interessadas para a participação dos certames licitatórios, com garantias suficientes da obtenção de contratos firmes, confiáveis e técnica e economicamente exeqüíveis. Com tais providências, preliminares, profiláticas, as empresas estarão conferindo segurança técnica e jurídica para que a contratação chegue a bom termo, reduzindo, sobremaneira, os questionamentos, em especial, dos tribunais de Contas.

Não se pode desconsiderar que os Tribunais de Contas, especialmente, o da União têm, nos últimos anos, preparado os seus auditores dotando-os de equipamentos, sistemas informatizados, e respectivo treinamento, de forma a permitir o acompanhamento, em tempo real, e em campo, das obras em curso, o que permite uma atuação mais efetiva e rápida. Os serviços e/ou respectivos preços têm sido objeto de críticas, e mesmo, de impugnações e glosas, durante e no momento de sua efetiva realização, o que tem gerado uma certa perplexidade da Administração Pública e prejuízos consideráveis às contratadas.

É comum críticas ao custo final de determinadas obras, e no caso das obras relativas à construção das sedes e alojamentos dos Jogos Pan-americanos – Rio 2007 não foi diferente. Ocorre que, a experiência mostrou que, em diversos casos, houve a necessidade de, após a formalização dos contratos, promover-se a inclusão de serviços (essenciais) não previstos, adequações e substituições de serviços originalmente contratados, mas que foram considerados inadequados, pelas federações internacionais, correções de erros de digitação de preços sabidamente inexeqüíveis, etc.

Insistimos que a “lição de casa” a ser feita se refere à busca informação, análise crítica dos exemplos bem sucedidos, a fim de otimizar as experiências de sucesso, aplicando-os no planejamento, programação, avaliação, e elaboração de projetos básicos e executivos que primem pelo alto nível de precisão, qualidade técnica e detalhamento. Os resultados sem dúvida serão surpreendentes.

A velocidade do passar dos dias é implacável. Estamos às portas da realização do Campeonato Mundial de 2014 e há muito – para não dizer, tudo – a ser feito.

Até o presente momento, preocupantemente, há sérias e infindáveis discussões e, mesmo, dúvidas quanto às cidades que recepcionarão os jogos, as cerimônias de abertura e encerramento. Tampouco, está suficientemente claro o quinhão de participação e responsabilidades do Poder Público e da iniciativa privada.

No caso específico da realização dos Jogos Olímpicos em 2016, a experiência acumulada na implementação dos “Jogos Pan-Americanos Rio-2007” se apresenta como bastante interessante. Havia a necessidade de se instalar sedes para recepcionar modalidades com as quais o brasileiro tem pouca ou nenhuma familiaridade.

Pagou-se um preço alto pelo ineditismo do macro-evento, pela inexperiência brasileira quanto às exigências severas das federações internacionais, que, se não atendidas, colocariam em risco a realização das competições, a homologação dos resultados, e, pior, a própria participação dos atletas.

Hoje sabemos, que a falta de planejamento adequado, no momento oportuno, com a devida antecedência, gera um aumento de custos, que, pode e deve ser evitado.
Os planejamentos técnico e jurídico, consistentes e criteriosos, evitam o retrabalho, o desperdício de material, o aumento do tempo necessário para a realização dos serviços e obras, a remuneração de mais turnos e/ou horas extras de trabalho, permitindo uma maior racionalização dos recursos financeiros e humanos.

A escolha dos locais onde serão implantadas as sedes, a elaboração dos estudos preliminares que instruirão e orientarão os projetos, básico e executivo, para a contratação e execução das obras e serviços de construção das sedes que recepcionarão esses mega-eventos não pode prescindir da logística de acesso e escoamento do tráfego, do sistema de transporte, de alojamento e hospedagem dos atletas e dos turistas que acorrerão aos Jogos, bem como da análise técnica isenta quanto à sua efetiva utilidade e futura demanda, e, ainda, da identificação criteriosa da função social a que se destinará, após o término dos jogos.

A realização desses eventos internacionais, de inegável importância e visibilidade, pode e deve ser uma alavanca segura de progresso e modernidade para as comunidades locais, que receberão precioso legado, deixando de ser mero espetáculo, para, também, se configurar como veículo de atendimento às demandas da população.
Tais competições não podem e não devem ser um fim em si mesmo. Prova disso deu a cidade de Barcelona, um exemplo de sucesso.

Os Jogos Olímpicos que foram realizados em 1992, mudaram para sempre a vida da cidade. Impulsionaram o turismo agregaram valor e qualidade de vida ao dia a dia da comunidade. Até hoje são evidentes os benefícios trazidos em razão do fato de ter sediado as Olimpíadas, quando já se passaram mais de quinze anos.

Não basta apenas se lançar ao desafio da realização de tais eventos. É preciso planejamento competente, dedicação incondicional dos seus responsáveis, muito além das vaidades pessoais, e realizações políticas.

A euforia de hoje deve ceder lugar à competência, seriedade e comprometimento com os reais objetivos dessas mega competições esportivas.

Deverão ser selecionados profissionais, especialistas nos mais diversos misteres, concentrados e dedicados ao objetivo de assegurar a racionalização dos recursos públicos e a otimização dos resultados.

Nesse sentido, temos como essencial que, em momento que antecede à própria elaboração do edital de licitação – ou seja, quando da elaboração dos projetos que servirão de base para a contratação das obras das sedes das competições – as exigências internacionais estabelecidas pelas respectivas federações esportivas sejam conhecidas, apreendidas e de pleno domínio da Administração e das empresas interessadas, através, inclusive, da orientação de consultores internacionais.

Tais providências certamente permitirão a precisa identificação e quantificação dos serviços e obras a serem realizados em cada sede, bem como dos custos de aquisição, instalação e assistência técnica dos diversos equipamentos, em especial os de informática, de multimídia, de informação e divulgação, telefonia, dos sistemas de segurança necessários para assegurar a integridade física dos atletas e dos freqüentadores dos jogos, fornecimento de alimentação, etc.

Todos esses custos devem ser estimados, com muita precisão, e as contratações promovidas com a devida antecipação, de modo a evitar os contratos de última hora, de custo altíssimo, muitas deles sem a devida licitação, fruto exclusivo da falta de planejamento. Em complemento, devem ser planejados, especificados e quantificados os respectivos custos com o treinamento de pessoal, manutenção e assistência técnica dos diversos equipamentos.

Por fim, não se pode esquecer, que a falta de planejamento gera efeitos colaterais perversos: um sem número de soluções provisórias, com custo altíssimo e duração correspondente ao período de eventos. Instalações caríssimas que poderiam vir a ser utilizadas, por muito anos, pela população são desmontadas, quando não destruídas, imediatamente após o término dos jogos, com custo adicional da desmobilização, caso típico da pista provisória instalada para abrigar as provas das modalidades relativas ao ciclismo, que tiveram custos significativos para sua montagem e desmontagem.

Ora, o administrador público, ao utilizar os recursos do Erário, apesar do glamour – efêmero – da realização de tais eventos, precisa ter sempre em mente que se não houver demanda para aquele tipo de equipamento, deverá ser estudada, alternativamente, a implantação de estruturas multiuso, que servirão, posteriormente, para o atendimento de outras finalidades públicas, mais consentâneas com as necessidades da população.

Assim, a hora é agora, existe uma trabalhosa lição de casa para ser feita, arregacemos as mangas e mãos à obra!

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