Área técnica do TCU teme insegurança jurídica com pontos de projeto idealizado para dar maior agilidade às parcerias público-privadas
BRASÍLIA – Idealizado para dar maior agilidade e segurança às parcerias público-privadas no País, o projeto de lei que propõe uma nova lei geral de concessões tem ao menos quatro itens que preocupam a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), responsável por atestar aspectos legais das concessões. Técnicos do tribunal ouvidos pelo Estadão/Broadcast acreditam que, se o texto for aprovado com a redação atual, o efeito buscado pelo relator, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), pode ser inverso em alguns aspectos da lei, com aumento de judicialização e insegurança jurídica.
A imposição de um prazo para o TCU julgar processos de concessão, a restrição da interferência dos órgãos de controle externo no mérito das atividades do poder concedente, a liberação para autores de estudos de concessão participarem de leilão e o uso pela concessionária de bens essenciais da concessão como garantia estão entre os pontos que geram receio. O PL já foi aprovado em comissão especial e ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e depois pelo Senado.
Sobre o prazo, o projeto estabelece que o TCU tenha 120 dias para avaliar os editais e estudos dos projetos de concessão. Se o período não for respeitado, os documentos são considerados aprovados. A iniciativa surge de uma insatisfação do setor sobre o ritmo do tribunal para julgar alguns processos de concessão, como foi o caso da renovação da Malha Paulista. Hoje, apenas a área técnica da Corte tem prazo para análise, de 75 dias. Quando o processo segue para o ministro relator, não há um limite de tempo.
Técnicos temem que a imposição de um prazo dificulte o diálogo entre o tribunal e o governo nesses processos. Isso porque, em diversas vezes, a Corte precisa pedir ao poder concedente correções ou complementações dos estudos. Se, nesse “vaivém” de documentos, a área técnica não conseguir finalizar a análise dentro do prazo, aumentam as chances de os estudos serem rejeitados por falta de tempo hábil, entendem integrantes do tribunal.
Apesar de o texto definir que o órgão pode solicitar informações complementares com suspensão do prazo até a resposta, a ressalva é considerada insuficiente. Segundo o projeto do lei, “outras solicitações de documentação e informações complementares” formuladas pelo órgão não suspendem o prazo. O receio é de que a falta de precisão sobre quando há interrupção de fato gere insegurança jurídica nos procedimentos.
Técnicos do TCU já se reuniram com o relator e auxiliares para sugerir modificações no texto. Outro ponto que traz desconforto é a expressão segundo a qual a submissão dos estudos ao tribunal se dará “a critério do poder concedente”. Para técnicos, isso vai de encontro ao papel da Corte, uma vez que quem escolhe quais projetos são analisados é o próprio TCU, e não o governo, apontam.
Restrição. Ponto também considerado polêmico é o artigo que veda a interferência dos órgãos de controle externo, como o TCU, no mérito das atividades exercidas pelo poder concedente como agente regulador e fiscalizador do serviço concedido, “inclusive quando realizadas por intermédio de agência reguladora”. Para técnicos, isso pode cercear a atuação do tribunal e colocar em risco as decisões tomadas nessa área.
Integrantes da Corte entendem que a expressão “mérito das atividades exercidas” é subjetiva e pode gerar uma onda de judicialização das decisões do tribunal por parte do poder concedente, que frequentemente fica contrariado com a intervenção do TCU. Um técnico destaca que o uso da palavra “interferência” no texto já aponta para uma insatisfação quanto a esse papel fiscalizador dos órgãos de controle. Isso poderia até mesmo afetar o papel fiscalizador do Congresso, diz outro técnico.
Também gera desconforto o artigo que libera a participação de autores ou responsáveis economicamente pelos projetos e estudos de concessão na licitação ou na execução da concessão. O temor é de que a regra gere uma assimetria de informações entre os concorrentes. Outro ponto do artigo criticado é a possibilidade de a concessionária oferecer em garantia bens da concessão “imprescindíveis à continuidade, qualidade e atualidade dos serviços”, que é vista como um risco à operação dos serviços públicos. O mesmo artigo define que, em qualquer hipótese de extinção do contrato, o bem dado em garantia deverá ser imediatamente substituído ou indenizado pela concessionária, nos limites do valor não amortizado.
Transparência
Diretor da Astris Finance e membro do grupo Infra2038, Daniel Uzueli vê os quatro pontos sugeridos no projeto que propõe nova lei das concessões de forma positiva. Para Uzueli, é necessário que a nova lei preveja alguns limites para a atuação do TCU, que, em sua visão, interfere várias vezes indevidamente nas atividades entre o poder público e o privado. Para ele, é responsabilidade do TCU identificar “grandes falhas” nos projetos, e não se ater a minúcias.
“Os órgãos públicos têm um pouco de medo de tomar decisões, então é extremamente salutar a limitação do poder do TCU”, disse. A ideia é combater a situação conhecida como ‘apagão das canetas’, ou seja, quando existe um temor de agências reguladoras tomarem decisões. Por isso, tanto a imposição de um prazo para os órgãos de controle quanto a vedação de interferência em atividades de mérito do poder concedente são salutares, na visão de Uzueli.
O diretor da Astris Finance também vê de forma favorável a liberação do oferecimento de bens da concessão em garantia e a permissão de autores de estudos de concessão participarem dos leilões. A chave para as duas situações ocorrerem bem, em sua opinião, é o fortalecimento da transparência. Uzueli destaca ainda que a possibilidade de a concessionária oferecer bens da operação em garantia irá baratear o financiamento.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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