Por: Gabriel Santiago Haramoto
O atual contexto pandêmico que o novo coronavírus impôs ao mundo, tem ensejado cada vez mais a adoção de medidas alternativas para a manutenção da prestação dos serviços essenciais do Estado. Nesta linha, em que pese os esforços para contenção da doença, é inegável que as medidas de prevenção implicam numa grave recessão econômica em virtude da reorganização abrupta das relações sociais, comerciais e jurisdicionais.
Neste cenário, o pagamento de precatórios, sobretudo os de natureza alimentar, se faz mais do que necessário, pois, a massiva maioria de seus beneficiários compõe algum dos chamados “grupos de risco”, visto se tratarem de idosos e/ou enfermos que necessitam, ainda mais, desses valores para sua sobrevivência.
Tendo ciência de tal situação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assim como o Tribunal de Justiça de São Paulo (e demais Tribunais Estaduais e Federais), ao regulamentar o Plantão Extraordinário imposto pela pandemia resguardou, de maneira expressa, a apreciação imediata de pedidos de levantamento de dinheiro e pagamento de precatórios.
Não obstante, do outro lado do interesse (o estatal), desde a decretação da crise, foram apresentados projetos de lei para que sejam suspensos os repasses financeiros para pagamento de precatórios, assim como diversos entes federativos têm pleiteado junto aos órgãos de governo, bem como têm ingressado em juízo requerendo a suspensão da obrigação de pagamento desses precatórios, a fim de mobilizar recursos para o combate ativo à COVID-19 obtendo, em muitos casos, decisões judiciais favoráveis que deferiram a suspensão pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias.
Nesta situação diacrônica, o impasse surge diante do conflito de dois interesses, quais sejam os dos beneficiários dos precatórios, que necessitam da verba para a manutenção de suas condições de sobrevivência, opostos aos do Estado (aqui compreendido lato sensu) que, diante da situação extraordinária imposta pela pandemia, se vê mobilizado no combate à doença, na defesa da vida e da assistência à saúde, porém não possui recursos, nem meios de captação próprios, para tanto.
Quanto aos precatórios federais, no entanto, o Conselho Federal da OAB requisitou, junto ao Conselho da Justiça Federal, preferência para que o pagamento dos precatórios e das requisições de pequeno valor (RPV) sejam pagos ainda no primeiro semestre de 2020, uma vez que a Constituição Federal impõe ao Judiciário que inscreva os precatórios no orçamento da União até dia 01 de julho de cada ano, a fim de contabilização da Lei Orçamentária Anual (LOA) para pagamento no ano seguinte.
Desta forma, para que os pagamentos sejam efetuados regularmente no ano seguinte, o Poder Judiciário deve contabilizá-los no orçamento da União até o dia 01 de julho do ano anterior.
Notadamente que a situação pandêmica se apresenta como risco ao fiel cumprimento desses prazos, vez que toda a atividade organizacional e estrutural do Estado (aqui compreendido em todas as suas funções Administrativa, Legislativa e Judiciária) se mostra debilitada.
Neste ínterim, o cenário que se mostra como o mais provável, em caso de não cumprimento do prazo supra, é o de duas linhas de ação: a) em prol dos beneficiários, há de se defender que a não inscrição dos precatórios até dia 01/07/2020 não acarreta prejuízo real à Administração, uma vez que, por conta dos trâmites legislativos da LOA, há uma lacuna de, pelo menos, 2 (dois) meses desde a inscrição do precatório e a promulgação da LOA pelo Congresso Nacional, sendo possível a prorrogação do prazo e, b) em prol do Estado, há de se defender a suspensão do prazo de pagamento dos precatórios em virtude do estado de calamidade pública reconhecido pelo Senado Federal em 20 de março de 2020.
Diante disto, é possível concluir que a situação do pagamento de precatórios durante o cenário pandêmico atual se mostra demasiado complexa, agravando um cenário que já era de absoluta morosidade.
Mas, diante das incertezas jurídica, a viabilidade dos pedidos deverá ser analisada concretamente pelo juízo, sendo certo que, mais do que nunca, o acompanhamento e a cobrança devem ser assíduos, com a adoção das medidas necessárias e em tempo hábil.
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