Da Morosidade do Judiciário

Autor: Philippe Ambrosio Castro e Silva, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

Todos os anos, o Poder Judiciário Brasileiro é ‘inundado’ com uma quantidade de processos que parece não ter fim. Desde o advento da Constituição de 1988, a qual consagrou, dentre outros princípios, o do livre acesso à Justiça, a demanda tem se tornado cada vez maior. Contudo, o Judiciário não se preparou para tanto, permanecendo praticamente inerte às mudanças ocorridas desde então, salvo raras exceções.

Podemos listar sucintamente três causas para a morosidade de nossa Justiça: um sistema processual que permite a excessiva procrastinação do andamento processual, por meio de infindáveis recursos; o número insuficiente de juízes; e a enorme burocracia que permeia o Judiciário.

Com relação à primeira causa, há de se mencionar que as recentes reformas processuais objetivaram, exatamente, a redução do tempo de tramitação dos processos, como por meio da Lei nº 11.282/05 que aboliu a execução de títulos judiciais, inaugurando a fase de cumprimento de sentença. Tal medida garantiu a sensação de imediata efetividade daquilo anteriormente determinado pela sentença e, conseqüentemente, o apaziguamento social.

No entanto, para que se inicie a fase de cumprimento é necessário o trânsito em julgado da decisão final do processo de conhecimento. Assim, antes que isso ocorra há ainda todo um emaranhado de meios recursais que adiam a já citada sensação de efetividade, causando, reversamente, um sentimento de ineficiência absoluta.

As recentes alterações impostas pelo Legislativo, que vão desde as Súmulas Vinculante e Impeditiva de Recursos, passando pelas reformas do Recurso de Agravo de Instrumento e chegando aos chamados ‘filtros’ dos Tribunais Superiores ainda não são suficientes para desafogar as instâncias recursais.

É necessário que se proceda a uma revisão total do sistema recursal brasileiro, a fim de abolir as intermináveis medidas recursais (somente o Código de Processo Civil prevê oito recursos no artigo 496) sem retirar dos cidadãos, obviamente, a garantia ao duplo grau de jurisdição.

Não é demais lembrar que ao Supremo Tribunal Federal, utilizado atual e inadvertidamente, como uma espécie de ‘4ª instância’ (após o Superior Tribunal de Justiça), cabem tão-somente as matérias constitucionais de grande relevância nacional. Trata-se de uma corte constitucional, composta por apenas onze Ministros, os quais não têm condições humanas de julgar os mais de 30 mil processos e recursos distribuídos anualmente.

Quanto à segunda causa, em que pese muitos digam o oposto, o número de magistrados brasileiros ainda é insuficiente para dar cabo aos de 25 milhões de processos ajuizados todos os anos, os quais não param de aumentar. Segundo dados do Banco Mundial em 2004, o Brasil possuía 7,7 juízes para cada grupo de 100.000 habitantes, ao passo que a Alemanha, líder do ‘ranking’ àquela altura, dispunha do triplo.

Por fim, a última causa por nós listada diz respeito à burocracia. Os costumes dos integrantes do Judiciário, extremamente formalista, praticamente não se alteraram desde o início do século passado, ‘engessando’ a tramitação processual com inúmeras certidões, carimbos, pastas e muito papel.

De acordo com levantamento efetuado pela Ministra Ellen Gracie, Presidente do STF, 70% do tempo do processo é gasto pela burocracia dos serventuários, ou seja, pelos funcionários dos cartórios e secretarias das Varas e Câmaras. Somente 10% do tempo do processo é gasto pelos magistrados. Os 20% restantes, pelos advogados.

Passados 19 anos da promulgação da Constituição, os Três Poderes, conjuntamente, tentam colocar um ponto final ao círculo vicioso no qual entrou a Justiça Brasileira. Assim, a recente Lei nº 11.419/06 surgiu para impor e oficializar a ‘virtualização’ processual, isto é, a utilização em massa da informática e demais meios eletrônicos para reduzir drasticamente o tempo de tramitação dos processos.

Diz-se oficializar porque já existem muitos projetos-piloto no país, destacando-se o estado de Santa Catarina que já apresenta 100% de seu Judiciário informatizado. O estado de São Paulo somente nos últimos meses iniciou a fase de informatização total, por meio da implementação do Foro Regional da Freguesia do Ó, totalmente digital, já apresentando resultados extremamente satisfatórios entre os jurisdicionados, apesar de ainda inexistir uma estatística oficial.

Concluindo, é preciso, por ora, que o Poder Público cumpra a contento as disposições da Lei nº 11.419/06, a fim de ‘desburocratizar’ o ainda excessivamente formalista Poder Judiciário; institua a criação de novas vagas na magistratura e, por fim, providencie a reformulação total do sistema recursal brasileiro, abolindo o que o Ministro Marco Aurélio do STF chama de ‘parafernália de recursos’, para que finalmente tenhamos a sensação de cumprimento e efetivação da justiça.

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