A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ser válida a cobrança do Imposto de Renda (IR) sobre a diferença entre o valor de mercado do bem herdado ou doado e o valor que constava na declaração de bens do de cujus ou doador, mesmo nos casos em que é também devido o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, o ITCMD.
Como se sabe, o ITCMD é um tributo de competência estadual, cobrado quando há a transmissão de bens ou direitos em decorrência da morte de seu titular ou quando há doação desses bens e direitos.
O IR, por sua vez, é um tributo federal, que incide quando há a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza.
Pois bem. No caso dos autos, uma mãe doou bens a sua filha, avaliados a valor de mercado, como adiantamento de legítima (artigo 544, do Código Civil).
A cobrança do IR nos casos de transferência de propriedade por doação em adiantamento de legítima tem previsão em lei ordinária federal, mais precisamente no §1º, do artigo 23, da Lei nº 9.532/1997.
De acordo com o dispositivo, incidirá nesses casos o IR sobre a diferença a maior entre o valor de mercado do bem e aquele que constava da declaração de bens do doador com alíquota de 15%.
O dispositivo diz o seguinte:
Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
- 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.
Contudo, na ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária movida pela doadora, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) afastou a incidência do IR pois, de acordo com a Corte Especial daquele Tribunal, o referido §1º, do artigo 23, da Lei nº 9.532/1997 é inconstitucional.
A inconstitucionalidade residiria no fato de que o dispositivo visa tributar, a título de IR sobre ganhos de capital, a mesma situação fático-jurídica que dá ensejo à incidência do ITCMD, configurando, assim, a bitributação[1].
Isso porque, se a base de cálculo para o ITCMD é o valor de mercado dos bens transmitidos no momento do falecimento ou da doação, essa tributação acabaria por abranger o fato gerador do IR sobre ganho de capital, tal como eleito pelo legislador ordinário da Lei nº 9.532/97.
Diante da decisão do TRF1, a União recorreu, buscando o reconhecimento da incidência do IR no caso, alegando a inexistência de bitributação, pois, segundo a Fazenda Nacional, os fatos geradores dos tributos (ITCMD e IR) não se confundem.
No STF, o relator do processo, Ministro Gilmar Mendes, entendeu, em sede de liminar, ser devido o recolhimento do IR sobre o ganho de capital na transferência do bem, mesmo havendo incidência, igualmente, do ITCMD.
De acordo com o Ministro relator, o §1º, do artigo 23, da Lei de 1997, não padece de inconstitucionalidade, pois o que o dispositivo faz é determinar o momento em que ocorre o acréscimo patrimonial que dá ensejo ao IR e não fixar um novo fato gerador para o tributo. Assim, o IR não está a tributar a doação ou a herança, mas tão somente fixando o momento dessa tributação.
O Ministério Público Federal recorreu da decisão, mas a 2ª Turma do STF, por maioria, validou o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes.
Em que pese o posicionamento vencedor do Ministro Gilmar Mendes, é importante lembrar que o próprio STF tem entendimento no sentido da inconstitucionalidade da incidência de imposto de renda sobre o ganho de capital relativo à doação em adiantamento de legítima[2].
A decisão foi proferida no julgamento do RE 1.425.609/GO AgR.
A equipe tributária do escritório Edgard Leite Advogados Associados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o assunto.
[1] A bitributação, fenômeno vedado pelo sistema jurídico brasileiro, ocorre quando dois entes federados cobram dois tributos diferentes sobre um mesmo fato gerador.
[2] Nesse sentido, confira-se o ARE nº 1.387.761/ES AgR.
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