Em artigo publicado pelo Estado de São Paulo, Dr. Edgard Leite faz uma análise sobre o interesse do Governo Federal na alienação de imóveis da União.
Acesse na íntegra: ESTADÃO
O governo federal voltou a anunciar, com fez reiteradamente nos dois últimos anos, que irá vender os cerca de 700 mil imóveis que compõem o patrimônio da União. Lançou estudos sobre formas de vender e até especulou uma cifra a arrecadar até o final de 2022: R$ 110 bilhões.
Dá notícia, mas não corresponde aos fatos. Aos fatos: primeiro, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) trabalha com quarto softwares diferentes. São eles: SPIUnet, cadastral 40 mil unidades; SIAPA (Sistema Integrado de Administração Patrimonial), 600 mil bens; CIF (Cadastro de Imóveis Funcionais), 1.340 itens; e SARP (Sistema de Arrecadação de Receitas Patrimoniais de Imóveis da Rede Ferroviária Federal SA), com 52 mil imóveis. Como se vê, cada dos softwares utilizados pela SPU contém informações sobre diferentes tipos de imóveis da União, que podem ser vendidos, alugados ou ter seu uso com entes privados mediante cessão onerosa. Existem, por lei, 18 formas de monetizar os imóveis da União, desde a simples alienação, passando pela cessão onerosa ou mesmo pela ocupação gratuita. Somadas todas essas modalidades, mais multas, juros sobre alugueis em atraso, em 2018 a exploração desse patrimônio rendeu aos cofres públicos R$ 795,2 milhões.
Em relatório de 2016, a Controladoria-Geral da União registrou “inconsistências cadastrais das bases de dados dos imóveis”. Mais de 30% dos Imóveis cadastrados, diz o estudo, apresentam “inconsistência absoluta” quanto aos dados registrados no sistema da SPU. O endereço não confere em 204.066 imóveis. Ou seja, não se sabe exatamente se o que o sistema diz que está onde deveria. Outras cerca de 27 mil imóveis, a secretaria não tem precisão sobre quem os ocupa de fato.
Agora, o pior: o governo, além de não saber efetivamente o que tem, onde está localizado o bem e quem ocupa, também não sabe com precisão o quanto vale seu patrimônio. Tome-se como exemplo os imóveis dominiais: dos 607.023 bens que possui, 585 mil (95%) tiveram a atualização de seu valor pelo indicador IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, que não reflete a realidade da valorização imobiliária. E a cereja do bolo: 21% dos imóveis não dispõem de informações sequer sobre quando foi feita sua última avaliação.
Apesar de aparentemente vantajosa a aplicação do IGP-M como atualização do valor dos imóveis, que levou a um aumento de R$ 64 milhões, em valores absolutos, entre 2016 e 2018, com a exploração do patrimônio público, não houve ganho real. Enquanto a receita amentou 4,5%, em termos reais, a inflação acumulada no período foi de 7,19%. Prejuízo.
A compilação da análise da Controladoria-Geral da União foi feita pelo escritório Edgard Leite Advogados Associados e apresentada à SPU. Parece, porém, ter sido ignorado.
Quando se vai fazer um negócio, o que se busca em primeiro lugar é a segurança jurídica. No caso de um imóvel, sua localização, condições, eventuais gravames, se está ocupado ou disponível. Em tempos de georreferenciamento, de atualização digital de informações cartoriais, essa informações no Mercado privado são disponibilizadas em segundos. No caso do governo, porém, que utiliza quarto softwares que não conversam entre si, é impossível ter esses dados de forma imediada. É lamentável!
Não adianta falar sobre modalidade de venda, criação de fundo imobiliário, se não se sabe sequer o que se pode vender. O governo não sabe, dentre os seus bens, os que estão sob ocupação de moradores sem-teto, por exemplo. O governo não tem condições de oferecer hoje, ao eventual interessado em adquirir seu patrimônio, a segurança jurídica necessária sobre o que está sendo negociado.
O governo tem uma lição de casa a fazer: primeiro precisa levantar exatamente o que tem e o quanto vale, para só então definir a modalidade de venda e lançar-se na preparação de editais.
*Edgard Leite, sócio de Edgard Leite Advogados Associados
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