O Supremo Tribunal Federal (STF) discute, no julgamento do ARE 1.475.101/SP, a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário quando afastado o ato de improbidade administrativa.
A existência de declaração judicial prévia acerca da prática de ato de improbidade administrativa como pressuposto para a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário é objeto em discussão, sendo tal esclarecimento fundamental para o deslinde da questão pela Corte.
No caso dos autos, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP) ingressou com ação de Improbidade administrativa e ressarcimento de danos patrimoniais e morais contra agentes públicos pela prática de atos previstos na Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.429/1992).
Após o recebimento da inicial, o MP/SP opôs Embargos de Declaração que foram parcialmente providos, para reconhecer a prescrição punitiva em relação à prática de atos de improbidade e a imposição das sanções previstas na LIA e, ainda, para determinar a conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública de ressarcimento ao erário (art. 17, §16, da LIA).
Um dos réus agravou da decisão e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) deu provimento ao recurso.
O Tribunal paulista asseverou que a tese da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso de improbidade administrativa (Tema 897 – RE 852.475[1]) não se aplica ao caso dos autos. Isso porque, em que pese as condutas descritas na inicial guardarem identidade com os atos de improbidade, previstos nos artigos 9º, 10º e 11º da Lei nº 8.429/92, não foi possível, diante da ausência do devido processo legal, classificar as condutas dos réus como atos de improbidade administrativa com a finalidade de evitar o reconhecimento da prescrição da ação de ressarcimento ao erário.
A esse respeito, de acordo com a decisão agravada, no julgamento em que se estabeleceu o Tema 897, o STF assentou a necessidade de declaração judicial da prática de ato de improbidade administrativa para assegurar a ampla defesa do réu. Consequentemente, não tendo havido o exercício desse direito pelos réus que permitisse concluir pela imputação de ato ímprobo por parte deles, operou-se a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do artigo 23 da Lei nº 8.429/92, e da pretensão de ressarcimento ao erário.
O MP/SP interpôs recurso ao STF, sustentando que a tese da imprescritibilidade da pretensão ao ressarcimento não estaria condicionada à prévia declaração judicial da prática de ato de improbidade administrativa. Sustentou, também, que a configuração ou não do ato doloso depende do prosseguimento do feito no Juízo de origem para a realização da instrução probatória e exercício do contraditório e da ampla defesa.
Em fevereiro deste ano, o relator do processo, Ministro Alexandre de Moraes, por decisão monocrática, negou seguimento ao ARE 1.475.101/SP do MP/SP, por entender que a condenação pela prática do ato de improbidade é pressuposto para o reconhecimento da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário. Segundo o Ministro, estando prescrita a ação de improbidade e não tendo sido possível classificar as condutas dos réus como atos dessa natureza, não há que se aplicar o Tema 897 ao caso.
O Ministro Alexandre de Moraes observou, ainda, que, ao julgar o RE 669.069 (Tema 666 da repercussão geral), o STF firmou o entendimento de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Assim, para concluir que a condenação pela prática de ato de improbidade é requisito da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, o Ministro Alexandre de Moraes observou que o relator daquele RE, Ministro Teori Zavascki, consignou que “a imprescritibilidade diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais”.
Contra a decisão monocrática, o Ministério Público interpôs Agravo Regimental, cujo julgamento está em curso.
O Ministro Cristiano Zanin seguiu o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes, no sentido da possibilidade de prescrição da ação de ressarcimento ao erário neste contexto.
A Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Flávio Dino, por sua vez, votaram pelo provimento ao Agravo Regimental para julgar procedente o pedido. Para eles, a pretensão do MP/SP consiste no retorno dos autos ao Tribunal para que a ação prossiga. Só assim, segundos os Ministros, diante do exercício da ampla defesa e contraditório pelos réus, é que será possível a verificação da existência, ou não, de ato doloso por parte dos acusados.
O Ministro Luiz Fux, contudo, pediu vista do processo, retirando-o de pauta.
Inobstante a pendência de desfecho ao caso, fato é que a discussão atinente à imprescritibilidade do dano ao erário é sensível à luz dos princípios gerais do direito, especialmente em improbidade administrativa.
Como bem ressalvou o Ministro Alexandre de Moraes, o STF firmou entendimento sobre a impossibilidade de prescrição nos casos de dano ao erário vinculados à ilícitos penais e aqueles tipificados como improbidade administrativa, pois trata-se de hipóteses específicas, de procedimentos especiais que justificariam aquele entendimento.
A desenfreada extensão da interpretação em questão a toda e qualquer demanda que verse sobre indenização aos entes públicos parece tanto aleatória e violadora dos postulados da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica e, ainda, da necessidade de comprovação da responsabilidade subjetiva.
Não se pode esquecer que a prescritibilidade é a regra no Direito brasileiro, tendo em vista a proteção dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. Nesse sentido, admitir a imprescritibilidade da pretensão punitiva de maneira indiscriminada pode significar eternizá-la, em evidente afronta aos mencionados princípios.
De todo modo, reitera-se: a discussão é polêmica, sensível e envolve diversas frentes que devem e serão minuciosamente apreciadas pela Suprema Corte para que a jurisprudência se alinhe a lei, dando-lhe a melhor interpretação.
O escritório Edgard Leite Advogados Associados está atento ao tema e acompanhará o julgamento do caso.
[1] Tema 897 – São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
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