Por Dra. Laila Abud e Dr. Mario Barone
O Presidente da República sancionou, hoje – dia 26/10/2021 – o projeto de lei que reforma substancialmente a antiga Lei de Improbidade Administrativa, em vigor há quase 30 anos.
As alterações aprovadas referem-se a pontos sensíveis quanto à tramitação e mérito das ações desta natureza, que são propostas para processar e julgar agentes públicos e entes privados acusados de praticar atos ímprobos.
Entre as principais novidades, chamamos a atenção em relação aos seguintes aspectos:
- Quanto à caracterização da improbidade administrativa para fins de ajuizamento da ação e sua procedência:
Passa a ser expressamente exigida a prova do dolo para a condenação da pessoa natural e jurídica por atos de improbidade administrativa, tema que antes era tratado apenas pela jurisprudência.
Aliás, logo no artigo primeiro da Lei, especificamente em seu parágrafo segundo, foi definida a conceituação de dolo como a ‘vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilício”, afastando-se a “voluntariedade do agente.
Nesse contexto, exclui-se do conceito de improbidade administrativa a prática culposa, bem como os danos causados por imprudência, imperícia ou negligência.
Sobre a conduta, a nova redação dada a Lei de Improbidade Administrativa ainda é expressa ao excluir da caracterização do ato ímprobo a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada.
Por seu turno, passa a ser considerado ato de improbidade administrativa o nepotismo, relativo à nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para cargos de confiança e a promoção pessoal de agentes públicos em atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos.
O rol das condutas de atos consideradas como improbidade apresenta-se como taxativo.
- A legitimidade ativa para a propositura da Ação:
A propositura da ação de improbidade administrativa passa a ser de exclusiva legitimidade do Ministério Público.
A nova redação legal, ademais, estabelece prazo de um ano para que o Ministério Público declare interesse na continuidade dos processos em andamento que não estão sob sua titularidade, inclusive em grau de recurso, ajuizados por advogados públicos.
- A legitimidade passiva:
Fica expressamente previsto que os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.
- Citação e defesa:
A legislação agora é expressa ao prever que a contagem do prazo para contestação deverá ocorrer nos termos do Código de Processo Civil.
Ademais, foi suprimida a fase da manifestação por escrito ou defesa prévia, estipulando-se que se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação dos requeridos para que a contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias.
Quanto ao contraditório, ademais, merece importante destaque a previsão da nova redação de que, em eventual inquérito civil ou procedimento investigativo destinado a apurar a prática de improbidade administrativa, será garantido ao investigado a oportunidade de manifestação por escrito e de juntada de documentos que comprovem suas alegações.
- Sanções
As sanções previstas na lei foram alteradas, sendo que, em síntese, o prazo máximo de suspensão dos direitos políticos foi elevado de 8 para 14 anos. Mas o valor máximo das multas aplicáveis foi reduzido em todos os casos.
Em casos de menor ofensa à administração pública, a pena poderá ser limitada à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano, se o caso for.
Ademais, a nova lei prevê, expressamente, que, para fins de apuração do valor do ressarcimento ao Erário, deverão ser descontados os serviços efetivamente prestados no caso de contratações públicas. Essa conclusão derivava de entendimento jurisprudencial e agora recebeu previsão legal.
A nova redação, ademais, autoriza o parcelamento, em até 48 meses, do débito resultante de condenação pela prática de improbidade administrativa se o réu demonstrar incapacidade financeira de saldá-lo de imediato.
- Indisponibilidade de bens
Depende da demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, e só poderá ser deferida após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias. A indisponibilidade sem a oitiva prévia do réu será exceção, podendo ocorrer quando demonstrado que o contraditório prévio possa frustrar a medida ou deva ser evitado para proteção da proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.
A indisponibilidade deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado.
Nas ações com mais de um réu, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito (não recai sobre multa ou acréscimo patrimonial). Esse dispositivo da lei, também põe fim a interpretações judiciais equivocadas acerca do instituto da solidariedade.
- Acordo:
A possibilidade de celebração de acordos em ações de improbidade administrativa, que já havia sido incorporada à Lei com as disposições contidas no “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019), agora recebeu complementação.
Nessa hipótese, devem ser levadas em consideração a personalidade do agente e a natureza, circunstância, gravidade e repercussão social do ato de improbidade. Para isso, é obrigatório que haja ressarcimento integral do dano e reversão da vantagem indevida obtida.
- Prescrição:
O novo texto de lei uniformiza o prazo prescricional, prevendo que a ação de improbidade administrativa para a aplicação das respectivas sanções prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou do dia em que cessou a permanência da prática, quando se tratar de infrações permanentes.
É de se destacar que, antes, a legislação previa os seguintes prazos para propositura da ação: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego; III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.
Pela nova redação legal, ademais, a prescrição interrompe-se nas seguintes hipóteses: (i) ajuizamento da ação de improbidade administrativa; (ii) publicação da sentença condenatória; (iii) pela publicação de decisão ou acórdão que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; (iv) publicação de decisão ou acórdão do STJ ou STF que confirme acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.
Mas, interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto de 8 anos.
A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração da improbidade, por sua vez, é causa de suspensão da prescrição, mas pelo prazo máximo de 180 dias corridos, sendo que a nova redação também impõe que, tais procedimentos – inquéritos e processos administrativos com a finalidade investigar o ato ímprobo – sejam concluídos no prazo de 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado.
A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade, bem como em relação a todos os atos de improbidade conexos que sejam objeto do mesmo processo.
- Reflexos e relações em outras esferas:
A nova redação aprovada também traz importantes previsões quanto à relação da ação de improbidade administrativa com outras ações de natureza distinta, mas relativas ao mesmo ato/mesmos fatos, dispondo que:
- a ação de improbidade administrativa será impedida em casos de absolvição criminal do acusado, confirmada por órgão colegiado;
- sanções eventualmente aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as sanções aplicadas nos termos da Lei de Improbidade Administrativa.
Deixe um comentário