A mudança de rota no tema “prescritibilidade da pretensão punitiva e, em especial, ressarcitória, em decorrência da constatação de irregularidades administrativas investigadas pelos Tribunais de Contas brasileiros” deu-se a partir dos pronunciamentos do STF materializados nos Temas 666, 897 e 899, bem como nos Julgados prolatados nas ADIs 5.509/CE e 5.384/MG.
Foi quebrado o dogma da imprescritibilidade (eterna) das ações visando o ressarcimento ao erário, pela orientação consolidada no Tema 666 do STF, originada da apreciação de Recurso Extraordinário, no qual se discutiu, à luz do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, se a imprescritibilidade das ações de ressarcimento intentadas em favor do erário aplica-se apenas às situações decorrentes de atos de improbidade administrativa ou se abrange todos os danos ao erário, independentemente da natureza do ato que lhe deu causa:
Tema 666 – “Imprescritibilidade das ações de ressarcimento por danos causados ao erário, ainda que o prejuízo não decorra de ato de improbidade administrativa”.
Tese: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
Posteriormente, o STF promoveu um novo avanço ao alargar enormemente a abrangência da prescritibilidade, para abranger os atos que configuram improbidade administrativa:
Tese do Tema 897 – “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.”
Por fim, ante a posição refratária das Cortes de Contas na atuação como órgãos externos de controle da atividade administrativa, expressamente, em Repercussão Geral, foi taxativo:
Tese do Tema 899 – “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”.
Apesar desse cenário promissor, não foi afastada a polêmica em relação à (im)prescritibilidade da pretensão punitiva e/ou ressarcitória em decorrência da atividade administrativa.
Em acréscimo, abriu-se a discussão sobre qual seria o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, nos casos em que se busca a aplicação de penalidades aos agentes administrativos ou o ressarcimento ao erário.
Não obstante os recentes julgados do STF no sentido do real alcance dos Temas enfocados, a questão da (im)prescritilidade das iniciativas dos órgãos de Controle de Contas está longe de ser equacionada, com forte resistência de alguns Tribunais de Contas quanto à efetiva aplicação da orientação do STF quanto à prescritibilidade, posicionamento capitaneado pelo TCU e pelo TCE/SP, sob o pretexto de proteção ao Interesse Público e de preservação do erário.
Chama a atenção a postura refratária adotada pelo Tribunal de Contas da União que, tradicionalmente, serve como balizamento e exerce forte influência nas demais Cortes de Contas.
Sobre o tema da prescrição da pretensão punitiva e/ou ressarcitória em decorrência da atividade administrativa, o TCU editou a Resolução – TCU nº 344, de 11 de outubro de 2022, que, à primeira vista, se mostra aderente às orientações do STF, configuradas nos citados Temas de Repercussão Geral, curvando-se ao reconhecimento da prescritibilidade da pretensão punitiva e ressarcitória em decorrência de questionadas ações dos agentes administrativos.
No entanto, tal impressão é afastada ao se examinar o alcance das regras para a configuração da prescrição intercorrente, que, na prática, tornará inviável o reconhecimento da efetiva aplicação das orientações contempladas nos referidos Temas do STF.
A Resolução – TCU nº 344/2022, que regulamenta, no âmbito do Tribunal de Contas da União, a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento, fixa, no seu art. 4°, as 5 hipóteses de contagem do termo inicial do prazo de prescrição:
I – da data em que as contas deveriam ter sido prestadas, no caso de omissão de prestação de contas;
II – da data da apresentação da prestação de contas ao órgão competente para a sua análise inicial;
III – do recebimento da denúncia ou da representação pelo Tribunal ou pelos órgãos de controle interno, quanto às apurações decorrentes de processos dessas naturezas;
IV – da data do conhecimento da irregularidade ou do dano, quando constatados em fiscalização realizada pelo Tribunal, pelos órgãos de controle interno ou pelo próprio órgão ou entidade da Administração Pública onde ocorrer a irregularidade;
V – do dia em que tiver cessado a permanência ou a continuidade, no caso de irregularidade permanente ou continuada.
A Resolução TCU em apreço reserva ao art. 5° a definição das causas interruptivas da prescrição, e, é exatamente neste aspecto, que surgem os problemas que tornarão, na prática, imprescritíveis as pretensões: punitiva e de ressarcimento.
Está expressa a possibilidade de a prescrição ser interrompida inúmeras vezes por causas distintas ou por uma mesma causa desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo, provocando, a partir de cada ato, a abertura de nova contagem do prazo prescricional (art. 5°, §§ 1°e 2º, da Resolução n° 344/2022).
Ao definir a incidência da Prescrição Intercorrente, o art. 8º da Resolução TCU n° 344/2022 acaba por inviabilizá-la.
Apesar de prever a incidência da prescrição intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, abre-se uma brecha que dificulta a sua efetividade na prática.
Logo a seguir, o § 1°, do art. 8°, ressalva que a prescrição intercorrente se interrompe por qualquer ato que evidencie o andamento regular do processo, excetuando-se pedido e concessão de vista dos autos; emissão de certidões; prestação de informações; juntada de procuração ou subestabelecimento e outros atos que não interfiram de modo relevante no curso das apurações.
Não é preciso muita reflexão para se constatar que tais disposições, com o devido respeito, implicam concreta contradição ao disposto no art. 2°, da Lei Federal nº 9.873/1999, prestigiada pelo STF nos Temas em análise, na medida em que, para fins de interrupção de prescrição, exige a adoção de “ato inequívoco de apuração do fato”, e não meras providências internas, que apenas demonstram andamento processual, sem qualquer pretensão decisória.
Analisando-se o efeito prático da Resolução do TCU, tem-se como “letra morta” a possibilidade de ocorrência da prescrição, até mesmo intercorrente, não obstante, em tese, o TCU considerar ter aderido ao entendimento do STF.
Lapidar para o perfeito entendimento do pretendido alcance dos Temas 666, 987 e 989, invocar o esclarecedor pronunciamento do STF, Tema Repetitivo 328, ao examinar a questão da incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos:
É de três anos o prazo para a conclusão do processo administrativo instaurado para se apurar a infração administrativa (‘prescrição intercorrente’).
O fato é que, na prática, as disposições da Resolução do TCU sob enfoque, permitem que os processos de tomada de contas em curso naquele Tribunal continuem se arrastando indefinidamente, afastando o reconhecimento da prescrição.
A questão ainda está longe de ser solucionada.
Cada um dos 33 Tribunais de Contas brasileiros optou por conferir seu próprio entendimento e alcance das determinações do STF: seja divergindo no que se refere à amplitude e limites dessa prescritibilidade ou quanto ao marco inicial da contagem do prazo para a incidência da prescrição punitiva e ressarcitória.
Outros, ainda, aderindo, incondicionalmente, em perfeita sintonia ao entendimento do STF.
Caso emblemático de negação da aplicação das determinações do STF é o entendimento radical adotado pelo TCE/SP, que editou a Deliberação de 22.09.2022, cujo artigo 1º prevê: “No âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo continuará atuando de acordo com o regime constitucional e legal vigente, que não estabelece prazos prescricionais para o exercício da pretensão punitiva e ressarcitória.”
Vale dizer, a prevalecer a posição adotada pelo TCE/SP, que simplesmente desconsiderou o direcionamento do STF ou do TCU, ao aplicar as regras da Resolução n° 344/2022, não haverá qualquer limite para que ocorram providências, análises, diligências ou quaisquer outros expedientes, no âmbito dos Tribunais de Contas, afastando, no caso concreto, o reconhecimento da prescrição, submetendo, ad eternum, os agentes administrativos e as empresas contratadas à uma verdadeira “Espada de Dâmocles“, neutralizando, por vias transversas, as determinações consubstanciadas nos Temas do STF em apreço, em flagrante prejuízo à segurança jurídica prestigiada pela Corte Suprema.
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