A desconsideração da personalidade jurídica e o projeto de Código de Processo Civil

Autor: André Pagani de Souza, advogado integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

 

O fato de o sócio e o diretor da pessoa jurídica poderem responder por dívidas desta última já é de conhecimento geral. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem sido aplicada por todos os tribunais brasileiros.

Desde 2003, quando entrou em vigor o Código Civil atual, teve ampla aplicação pelos tribunais brasileiros o artigo 50, cujo teor é o seguinte:

“Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

É bem verdade que muito antes do dispositivo legal acima transcrito entrar em vigor, já era prática corriqueira em nossos tribunais a atribuição de responsabilidade que originariamente era da pessoa jurídica aos seus integrantes.

Apesar isso, é inegável que a desconsideração da personalidade jurídica espalhou-se com uma velocidade espantosa após ela ganhar o explícito e inquestionável amparo legal do artigo 50 do Código Civil.

Lamentavelmente, tornou-se freqüente o fato de administradores e sócios de pessoas jurídicas serem surpreendidos com o bloqueio de contas correntes pessoais em razão de dívidas da empresa que integram ou integravam.

Esse cenário de surpresas é lamentável porque desencoraja os empresários a fazerem o que mais gostam – que é empreender – ao mesmo tempo que contribui para o subdesenvolvimento das atividades econômicas.

É raro, hoje em dia, encontrar alguém relativamente bem informado que não tenha receio de se tornar sócio ou administrador de pessoa jurídica, pois é alta a probabilidade de ter o patrimônio pessoal comprometido sem a menor chance de exercício do direito de defesa.

Sensibilizada por este problema, uma comissão de juristas liderada pelo Ministro Luiz Fux do Superior Tribunal de Justiça elaborou anteprojeto de Código de Processo Civil – que recentemente se transformou no Projeto de Lei n. 166/2010 em trâmite perante o Congresso Nacional – no qual se prevê um novo procedimento para desconsideração da personalidade jurídica.

Com efeito, o Projeto de Lei n. 166/2010 prevê, em seu artigo 62, que “requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis”. Na seqüência, o artigo 65 do mesmo diploma estabelece que “concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento”.

Diante disso, é fácil perceber a preocupação com o efetivo exercício do direito de defesa por parte do sócio e dos administradores das pessoas jurídicas. Afinal, nem toda pessoa que passou pela administração de uma empresa ou foi sócio de alguém agiu de má-fé. E, ainda que tenha cometido algum erro, a pessoa tem o direito constitucionalmente garantido de apresentar as suas justificativas e responder exatamente pelo dano que causou: nem um centavo a mais ou a menos.

Portanto, é digno de aplausos o Projeto de Lei n. 166/2010, no que diz respeito a esta proposta de criação de um procedimento-padrão para a desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto este projeto não é transformado em lei, cabe aos integrantes das pessoas jurídicas se defenderem como podem dos ataques – nem sempre devidos – ao seu patrimônio pessoal.

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