A CPMF ainda vive

Para o governo, ela não morreu. Ele continua pagando indevidamente o imposto em contratos de obras

Por Isabel Clemente

Revista Época

 

Decretado no fim de 2007 pelo Congresso Nacional, o fim da cobrança da CPMF, o imposto sobre o cheque, diminuiu em R$ 40 bilhões a arrecadação do governo federal no ano passado. Por isso mesmo, a comoção pela morte do imposto ficou restrita ao governo e a um pequeno círculo de defensores que chegaram a dizer que o país quebraria. A oposição, o comércio, as indústrias e os contribuintes comemoraram, felizes com o fim da tributação da movimentação bancária. Fora uma fracassada tentativa de ressuscitá-la em maio do ano passado, ninguém mais falou na CPMF e o assunto morreu. Mas a CPMF não. Ninguém mais está obrigado a pagá-la no banco, mas o governo continua, distraída e indevidamente, pagando o imposto, apesar de não arrecadá-lo mais. A diferença é que, desta vez, quem ganha é o setor privado.

Como a CPMF estava embutida no custo dos contratos fechados pelos órgãos públicos em 2007 e não concluídos até o fim daquele ano, em tese, o governo deveria ter pedido a revisão desses contratos quando o imposto acabou. Isso colaboraria para o barateamento de obras e serviços. Não foi o que aconteceu. O problema começou a ser revelado em obras analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em três julgamentos, os ministros determinaram que órgãos e empresas como o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), a Polícia Rodoviária Federal e a Compesa, empresa de saneamento de Pernambuco, exigissem a devolução da parcela de CPMF paga a mais no ano passado ou revisassem as próximas prestações para excluir o imposto do valor do pagamento.

Não há estimativas sobre quanto foi ou ainda é pago de CPMF indevidamente pelos órgãos públicos. ”Mas é fato que a não-prorrogação da CPMF causou impacto em milhões de contratos, nos municípios, nos Estados e da União, e, se você multiplicar o 0,38% da CPMF por esse universo, chega-se a um valor nada pequeno”, diz o auditor do TCU André Luís de Carvalho, relator de um processo em que foi constatado o problema. ”Isso exige a atenção dos gestores públicos para que revejam os contratos e, eventualmente, descontem o valor pago indevidamente que só vai aumentar o lucro do contratado.”

Nem o Ministério da Saúde, o maior prejudicado com o fim da CPMF, se lembrou de pedir a revisão de contratos. Para ter uma ideia do prejuízo milionário que essa distração poderá custar aos cofres públicos e, por tabela, ao bolso dos contribuintes, o Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, elaborado em 2007, quando a CPMF ainda existia, prevê investimentos públicos de R$ 3,529 trilhões. Por esse parâmetro, é possível que o valor dos contratos de obras e serviços, previstos no PPA, incluam mais de R$ 13 milhões referentes à CPMF.

Segundo a lei de licitações, obras e serviços de engenharia só podem ser licitados quando houver orçamento todo detalhado. Até impostos e a margem de lucro praticada devem estar esmiuçados. Mas nem sempre a incidência da CPMF está clara na planilha de custos das obras públicas, como manda a lei. ”O que se vê na prática é que muitos gestores públicos, além de adotar orçamentos deficientes, deixam de exigir a discriminação de todas as parcelas do custo de uma obra”, diz o advogado Giuseppe Giamundo Neto, especialista em Direito administrativo e consultor de empreiteiras. ”Desse modo, caso ocorra a redução da alíquota de algum imposto ou mesmo sua extinção, como foi a CPMF, a administração não tem como rever o valor do contrato.” É uma proeza do governo. Ele perde duas vezes com o fim do imposto: ao deixar de arrecadar e pagar por um imposto abolido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *