Liberdade X Limites durante a Pandemia

Liberdade X Limites durante a Pandemia

Por Juliana Brandt Mancio

Em tempos de COVID-19, estabelecimentos comercias de todos os tipos têm compartilhado dos mesmos questionamentos: quais podem ou devem ser as exigências para acesso a eles? Até onde tais exigências podem ser consideradas legais e a partir de onde podem ser consideradas abusivas?

Considerando que são mínimas as medidas restritivas adotadas pelo Estado para salvaguarda do direito constitucional de proteção à vida, muitos se perguntam sobre o direito constitucional de ir e vir durante a pandemia e, agora, com a retomada gradual de algumas atividades, surge a necessidade de se avaliar uma situação semelhante: a liberdade do indivíduo de ingressar e permanecer em estabelecimentos comerciais.

A partir do momento em que há imposição de regras para adentrar e permanecer em determinado local, já não se pode falar em liberdade em seu sentido amplo e puro, ou seja, está ausente o livre arbítrio se o indivíduo só puder ingressar e permanecer em tais estabelecimentos mediante determinadas condições.

Sempre existiram, mesmo antes da pandemia, imposições de idade, sexo, traje, dentre outras, definidas por determinados estabelecimentos comerciais e, na grande maioria das vezes em que tais casos foram levados ao Judiciário, a limitação foi considerada abusiva, violadora de direitos da personalidade, configurando ato ilícito e gerando, por consequência, dever de indenização moral àquele que foi impedido de exercer seu livre direito de ir e vir.

Durante o momento excepcional da pandemia, muitas medidas restritivas estão sendo adotadas em vários níveis e de formas diferenciadas Brasil afora. Obviamente, ao atender exigências previstas em lei, os estabelecimentos comerciais não poderão ser responsabilizados por tais medidas restritivas ou, caso contrário, poderão até sofrer penalidades. Ainda assim, é fortemente recomendável que tais medidas restritivas e o embasamento legal que as fundamenta, sejam claramente informados aos clientes, evitando-se que o estabelecimento fique sujeito a reclamações.

Permanecem, ainda, as dúvidas de como proceder nos casos em que não existam leis ou, ainda que elas existam, tenham conteúdo indeterminado. Pode ocorrer, também, o encerramento do período determinado por uma lei e a insegurança sanitária ainda se perpetuar. O que fazer nessas situações?

Nos casos em que o Judiciário entendeu ser improcedente o pedido, majoritariamente, foi por concluir que a medida imposta pelo estabelecimento comercial era razoável e condizente com os direitos de segurança do local.

Em ambas as situações, é importante manter o foco na necessidade de os estabelecimentos comerciais informarem ao público, previamente e de forma clara e inequívoca, sobre suas regras. Isso não torna legais as suas imposições, mas a ausência dessas informações, certamente, implicará em sua ilegalidade.

[…] é importante manter
o foco na necessidade de
os estabelecimentos
comerciais informarem
ao público, previamente
e de forma clara e
inequívoca, sobre suas
regras

As medidas restritivas deverão, sempre, visar ao bem-estar da coletividade, entretanto, isso não pode ser desculpa para que, aproveitando-se desse momento especial, passem a ser impostas medidas seletivas ou extremistas, pois, certamente, seriam rejeitadas na hipótese do caso vir a ser discutido no Judiciário.

Sendo toda a situação de pandemia inédita no mundo, o tema permanece desafiador e sem respostas cem por cento corretas, já que não existem precedentes que possam nortear a aplicação do regime jurídico. A solução, provavelmente, passará pela aplicação e ponderação dos princípios constitucionais da vida e da liberdade de ir e vir, assim como com o princípio da razoabilidade, sempre avaliados caso a caso. A solução deverá se focar, especialmente, na preservação da saúde pública, minimizando riscos de propagação da doença e de contaminação.

A adoção do distanciamento obrigatório entre indivíduos, limitação no número de pessoas dentro do estabelecimento, uso de máscaras e álcool em gel, medição de
temperatura antes do ingresso do indivíduo no estabelecimento, paredes divisórias de vidro ou acrílico, embora ainda não previstas em lei, não deverão ser consideradas práticas abusivas no atual cenário. Entretanto, algumas medidas como exigir troca de roupas, barrar pessoas por tossirem ou espirrarem ou exigir que descalcem sapatos como condição para ingressar no estabelecimento, podem ser consideradas como medidas não razoáveis e que afrontam a dignidade do indivíduo.

Enfim, em tempos de pandemia, se faz mais do que necessária a observância de um dos preceitos básicos da convivência humana: o uso do bom senso. E, recomenda-se que se faça uso sem moderação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *