Autores: Juliano Barbosa de Araújo e Iago João Rosseto, respectivamente advogado e acadêmico de direito, integrantes de Edgard Leite Advogados Associados.
A titularidade do serviço público de saneamento básico enfrenta séria controvérsia jurídica. Não há clareza sobre o tema no Texto Constitucional, tampouco em sede doutrinária e jurisprudencial.
Para melhor fixar a discussão vigente, observe-se que a Constituição Federal estabelece como competência da União a instituição de diretrizes para o saneamento básico (21, XX); entretanto, o Texto Maior também fixa competência comum à União, Estados e Municípios para promover melhoria das condições de saneamento básico (23, IX); por fim, o artigo 30, da Constituição não menciona expressamente o serviço de saneamento básico como de competência municipal, ao contrário do que fez em relação ao transporte coletivo, por exemplo (inciso V).
A questão fica ainda mais espinhosa quando envolve uma região metropolitana criada por um estado-membro, nos termos do artigo 25, parágrafo 3º, da Constituição, cuja função seria a de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
De tão complexo, o tema foi submetido ao Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 1.842/RJ e ações conexas, que questionam a Lei Complementar nº 87/1997, a Lei Ordinária 2.869/1997 e o Decreto nº 24.631/1998, todos do Estado do Rio de Janeiro, responsáveis por criar a Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos.
Segundo o autor da ação de controle constitucional, o regramento legal combatido transfere ao Estado do Rio de Janeiro a titularidade do serviço de saneamento básico, em afronta à competência municipal para tutela dos assuntos de interesse local.
No último mês de setembro, foi disponibilizado o acórdão da ADI referenciada, por meio do qual o STF julgou a ação parcialmente procedente, declarando a inconstitucionalidade de determinados artigos da legislação acima mencionada . Afirmou a Suprema Corte que o interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal, já que a função pública do serviço de saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum ao grupamento formado por força de Lei Complementar instituidora da chamada Região Metropolitana.
Para o Supremo, é necessário haver uma divisão de responsabilidades entre municípios e estado-membro, evitando-se a concentração do poder decisório e concedente nas mãos de apenas um ente federativo. Desse modo, a participação de cada Município que integra a região metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro deve ser estipulada de acordo com suas peculiaridades, não se permitindo o predomínio absoluto de nenhum ente.
Com a devida venia, a decisão do c. STF não soluciona a questão. Ao contrário. Na medida em que não oferece sequer indícios de como a tal “gestão compartilhada” será exercitada na prática, tampouco quais seriam os mecanismos para se evitar o predomínio de qualquer dos entes componentes da Região Metropolitana, a Corte mantém em aberto a questão da titularidade do serviço de saneamento básico.
A indefinição aprofundada pela decisão da Corte Suprema prejudica – e muito – uma gama variada de projetos em desenvolvimento no setor, diga-se, de extrema carência país afora e que possui reflexos diretos na delicada questão da saúde pública.
Registre-se, por fim, que, justamente por conter as imprecisões aqui anotadas – e outras porventura identificadas por aqueles diretamente arrolados nas demandas judiciais ora citadas -, o acórdão do Supremo foi objeto de embargos de declaração pelos interessados.
A despeito da natureza deste recurso, quer nos parecer ser o caso de a Suprema Corte não desperdiçar a oportunidade única de oferecer solução jurídica definitiva para o tema, inclusive, se o caso, estabelecendo condições mínimas para a efetivação prática do entendimento externado no acórdão já publicado.
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