Autora: Daniela Antonelli L. Bufachi, advogada integrante de Edgard Leite Advogados Associados.
O Código de Defesa do Consumidor – Lei Federal nº 8.078/1990 – foi um marco para a tutela dos direitos dos consumidores que, antes de sua promulgação, eram regidos pelo Código Civil.
A peculiaridade desta legislação é a tutela específica e amplamente protetora dos consumidores, ao contrário do Código Civil, que continha e contém disposições de caráter genérico.
Ao mesmo tempo em que confere amplos direitos aos consumidores, todavia, o Código de Defesa do Consumidor também concede direitos aos fornecedores, dentre os quais se encontra o direito de reparo dos vícios eventualmente apresentados nos produtos e serviços por eles produzidos ou comercializados, previsto no artigo 18, §1º, da lei federal.
De acordo com referido dispositivo, o fornecedor terá o prazo de trinta dias para reparar vício apresentado pelo produto ou serviço, sob pena de o consumidor poder lançar mão de uma das seguintes alternativas: substituição do produto; abatimento proporcional do preço ou devolução imediata do valor pago pelo produto.
Contrariamente ao ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC – editou norma administrativa – Nota Técnica nº 20/2009 – pela qual restringiu o direito do fornecedor de reparar os vícios dos produtos por eles fabricados e comercializados a uma única oportunidade, no prazo de 30 dias.
O objetivo desta norma é evitar que o produto seja encaminhado à assistência técnica por diversas vezes, sem a solução efetiva do problema do consumidor.
Inobstante o caráter protetivo da norma, é de se verificar que ela vai de encontro ao Código de Defesa do Consumidor, considerando que ele nada menciona quanto ao número de oportunidades em que o fornecedor poderá analisar o produto viciado, apenas limitando o período máximo em que o produto poderá ficar em posse do fornecedor para reparo.
Essa omissão não nos parece uma falha do legislador, mas sim uma omissão intencional – também chamada de silêncio eloquente –, na medida em que admite a hipótese fática de o produto vir a apresentar defeitos em mais de uma oportunidade.
Com efeito, poderão existir casos de alta complexidade, em que o produto poderá apresentar defeitos mais de uma vez, de natureza igual ou diversa, sendo imprescindível sua análise e reparo pelo fornecedor.
Interpretar o direito dos fornecedores de forma restritiva significaria que, caso o produto apresentasse novo defeito em momento posterior, vindo a ser encaminhado para o fornecedor para análise e reparo, este seria considerado, imediatamente, infrator dos direitos dos consumidores, tendo em vista que já esgotara sua “única” oportunidade para reparo do vício. Mesmo que nesta segunda oportunidade viesse a sanar, por completo, o defeito do produto, satisfazendo a pretensão do consumidor.
Estas considerações são extremamente importantes, pois o Código de Defesa do Consumidor, em que pese seja extremamente protetor dos consumidores, também confere direitos básicos aos fornecedores, dentre os quais o de reparar os produtos e serviços viciados, tantas vezes quantas forem necessárias, até mesmo para se certificar se o defeito decorreu de fato intrínseco ao produto – v.g., por defeito de fabricação – ou se decorreu de ato do próprio consumidor, caso em que haverá que se falar em excludente de responsabilidade do fornecedor.
É, portanto, um dos momentos fundamentais em que o fornecedor poderá exercer seu direito de avaliar as alegações do consumidor de que há um vício em seu produto ou no serviço por ele contratado, reparando-o, quando constatada sua ocorrência.
Por estas razões, não se demonstra razoável que o fornecedor tenha seu direito legalmente assegurado limitado na esfera administrativa, como o fez o DPDC ao editar a Nota Técnica nº 20/2009, não podendo ser outra a conclusão, que não pela inaplicabilidade da norma administrativa, para fins de restringir o direito legalmente conferido aos fornecedores.
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