Autora: Laila Abud, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Com o passar do tempo e considerando a importância que as questões relativas ao meio ambiente vêm adquirindo perante a sociedade brasileira, a legislação e jurisprudência têm adotado posições cada vez mais favoráveis à promoção do equilíbrio ambiental em vários aspectos.
Nesse sentido, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/91) prevê a “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (art. 4º VII). E, ainda, dispõe sobre a responsabilidade objetiva do poluidor ou predador de reparar danos causados ao meio ambiente ou a terceiros afetados por sua atividade.
Ou seja, essa obrigação de reparação dos danos ambientais, independe da comprovação de culpa por parte do agente, não sendo relevante, portanto, a apreciação quanto à subjetividade da conduta, mais apenas a ocorrência dos malefícios ao homem e ao ambiente (art. 14, § 1º, da mencionada Lei).
Em decorrência da mencionada responsabilidade objetiva estipulada pelo legislador, a jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que o dever de proteção ao meio ambiente, bem como as responsabilidades decorrentes deste dever, se transferem automaticamente com a transferência do domínio, podendo, em conseqüência, ser imediatamente exigível do novo proprietário.
Ou seja, a obrigação decorrente de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. E, por isso, tal responsabilidade seguirá a atividade ou propriedade, mesmo após transmitidas a terceiros.
Desse modo, se determinada atividade poluidora ou propriedade que esteja em desacordo com as leis ambientais, forem transferidas à terceiro já com este vício, será este terceiro também responsável pela regularização da atividade ou área, assim como pela recuperação dos danos causados. Mesmo que não tenham sido causadores do fato.
Pretende-se, assim, evitar que o novo proprietário ou titular deixe de adotar as providências necessárias à promoção do reequilíbrio ambiental, esquivando-se sob a justificativa de não ter sido o causador do dano. Em verdade, o simples fato de o novo proprietário/titular anuir ou se omitir em relação à condição irregular do imóvel ou da atividade poluidora/predadora basta para configurar o nexo causal que, conciliado com a configuração também do dano, caracteriza a responsabilidade pelos prejuízos ocasionados.
Vale ressaltar que o entendimento firmado não se restringe à suspensão da atividade danosa. Ao novo proprietário é imposto também o dever de recuperar ou ressarcir os efeitos daquele dano de ordem ambiental.
Assim, a título exemplificativo, se determinada construção foi realizada em área de preservação permanente ou certo imóvel rural esteja irregular quanto à identificação e registro da reserva legal, não basta ao novo proprietário – que adquiriu a propriedade já naquele estado – promover, respectivamente, a demolição da construção ou averbação da área nos termos da Lei. Imperioso que também adote as medidas adequadas para recuperar ou compensar o dano causado, promovendo a recuperação de áreas degradas, o replantio de espécies raras, o reflorestamento de determinada área, etc..
Nesse sentido, tem entendido o Egrégio Superior Tribunal de Justiça conforme julgado a seguir:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 282 DO STF. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE E DA POSSE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR.
(…).
2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome.
3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente.
4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir.
5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ.
6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ.
7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não
provido.
(REsp 948921 / SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009)
Em sendo assim, eventual prejuízo deverá ser discutido em ação própria entre adquirente e o alienante que efetivamente causou o dano, não cabendo, quanto à responsabilidade ambiental, qualquer indagação relativa à boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal distinto daquele que se estabelece pela titularidade do domínio.
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