Autor: Prof. Cassio Scarpinella Bueno, consultor jurídico do escritório Edgard Leite Advogados Associados e Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP.
O final do ano de 2009 viu, como sói ocorrer em nossas terras, um imenso número de novas normas jurídicas (verdadeiramente ou não tão novas assim) serem aprovadas quando as atenções de todos — merecidamente para alguns até mesmo — já estavam voltadas para outros horizontes, desde as festas de confraternização, passando pelas de verão e chegando ao carnaval que, findo, aí sim, dará início inegável ao ano de 2010, antes tarde do que nunca. Ao lado dos votos de um feliz natal e de um próspero ano novo, dos desejos (alguns sinceros, outros nem tanto) de tudo de bom e tal e coisa, o Diário Oficial trouxe, aos poucos, em pequenas doses, diversas leis sobre o mais variados assuntos, um sem número de medidas provisórias, todas, por definição, relevantes e urgentes, e até uma Emenda à Constituição, que alterou profundamente a sistemática dos pagamentos devidos, há muito tempo, pela Fazenda Pública viabilizando que as pessoas administrativas devedoras não paguem, mais uma vez e institucionalmente, o que devem, não é de hoje, por força de determinações emitidas pelo Judiciário.
Aqui e por ora, interessa dar destaque à Lei n. 12.120, de 15.12.2009, que trouxe duas “novidades” à chamada lei de improbidade administrativa, a Lei n. 8.429/1992.
De acordo com a nova redação dada ao caput do art. 12, “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”.
A parte final do dispositivo, resultado do acréscimo promovido pela precitada lei, diz o que a melhor doutrina que se formou sobre o assunto e, acompanhando-a, a jurisprudência mais abalizada, já havia evidenciado: não há por que as severas penalidades reservadas para punir os agentes ímprobos serem, em todo e em qualquer caso, aplicadas “em bloco”, isto é, invariavelmente na sua íntegra. Até porque, aplicar para todo e qualquer caso rotulado de “improbidade administrativa” todas as oito modalidades de sanções previstas na Constituição Federal e na Lei n. 8.429/1992 acabaria por banalizar os atos que, por sua natureza e gravidade, — “gravidade do fato”, como quer a nova lei —, mereçam apenações mais severas e, verdadeiramente, exemplares. É como se costuma dizer, “errar na mão”, tornando trivial o que, por definição, não o pode ser ou, na linha da nova hermenêutica pregada pelos neo-constitucionalistas, não levar em conta o chamado “princípio da proporcionalidade”.
De qualquer sorte, importa destacar que a lei acabou por explicitar o entendimento de que, não obstante o costumeiro pedido “em bloco” formulado pelo autor da “ação de improbidade administrativa”, em geral o Ministério Público, é dado ao magistrado, analisando a situação concreta que lhe é apresentada, deixar de aplicar todas as sanções, graduando, inclusive no que diz respeito à sua quantificação, as penas, consoante as peculiaridades e as características de cada caso concreto. Nada que se possa, portanto, automatizar ou tornar imediato como pretendem os defensores da chamada “Meta II” do Judiciário, que preza mais a quantidade de julgamentos do que a sua qualidade, ínsita mesma a qualquer noção de Justiça, mesmo para o frenético ritmo dos tempos e tecnologias atuais. Questão importante e tratada de forma acrítica, apenas referida é essa a verdade, mas que não tem espaço nessas linhas.
A nova redação dada ao inciso I do art. 21 da Lei n. 8.429/1992 pela mesma Lei n. 12.120/2009, é essa a segunda e última “novidade” trazida por ela, era, na mesma perspectiva destacada acima, desnecessária. Também aqui, doutrina e jurisprudência voltadas a compreender a lei da improbidade administrativa, já haviam resolvido o problema. Também se trata de regra meramente esclarecedora, a justificar as aspas na palavra novidade.
Passou-se a estatuir expressamente que as penas reservadas pela Lei n. 8.429/1992 são aplicáveis independentemente da “efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público”, “salvo” — e é esse o trecho novo trazido pela Lei n. 12.120/2009 — “quanto à pena de ressarcimento”. Como uma das penas previstas pela Lei n. 8.429/1992 é, justamente, o “ressarcimento integral do dano” (v. arts. 5º e 12, I a III), nada mais natural que, havendo o reconhecimento judicial de tal fato, isto é, o dano, seja imposto aos responsáveis o dever de restituição dos valores respectivos. Caso contrário, não há o que devolver. Quisesse a lei ser efetivamente nova, ela teria enfrentado, dentre tantas outras questões, a polêmica questão relativa à possibilidade de haver apenação por danos morais pelo réu declarado ímprobo. À falta de expressa previsão legislativa, contudo, não há por que sustentar a pertinência de uma tal pena.
O atual inciso I do art. 21 da Lei n. 8.429/1992 permite, até mesmo, a confirmação da orientação explicitada pela nova redação do caput do art. 12: nem todo o caso justifica, por suas próprias características e circunstâncias concretas, a aplicação de todas as penas relativas ao reconhecimento do ato de improbidade administrativa idealizadas em abstrato pelo constituinte e pelo legislador.
A Lei n. 12.120/2009, como é típico entre nós, entrou em vigor no dia de sua publicação (16.12.2009), devendo ser aplicada aos processos em curso, tanto mais porque ela nada traz de novo quando interpretada, no seu devido contexto, a Lei n. 8.429/1992.
Mas há mais, muito mais, para se falar quanto o tema é (im)probidade administrativa. Um bom exemplo é lembrar que está, literalmente, na pauta do Supremo Tribunal Federal a discussão sobre a legitimidade do Ministério Público para perseguir, em juízo, danos ao erário. O Ministro Eros Grau acaba de proferir voto sustentando a ilegitimidade da instituição. As conseqüências do prevalecimento dessa orientação não são desprezíveis, justamente diante do que já foi destacado acima: a maioria das ações de improbidade administrativa, e grande parte delas pretende a restituição de valores ao erário, é promovida pelo Ministério Público. Estamos às vésperas de uma avalanche de sentenças de ilegitimidade ativa? Ou será que cabe a extinção parcial do processo, reconhecendo a ilegitimidade ativa apenas no que diz respeito àquele pedido, que a Lei n. 12.120/2009, ao dar nova redação ao art. 21, I, da Lei n. 8.429/1992, veio para colocar em destaque? Pediu vista o Ministro Dias Toffoli. Na análise do caso, Sua Excelência levará em conta o que se lê nos jornais, que a Advocacia-Geral da União, com o aval do Presidente da República, processará, por improbidade, quanta ironia, os Procuradores da República que pretendem questionar em juízo os licenciamentos ambientais dados à usina de Belo Monte? Essas respostas e tantas outras questões merecem detidas e merecidas reflexões a serem feitas em outra oportunidade.
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