Autora: Juliana Fosaluza, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Diversos órgãos da administração pública – direta e indireta – exigem, para a apreciação dos recursos interpostos pelos particulares, que seja efetuado depósito de determinada quantia.
A exigência, que geralmente vem determinada no Regimento Interno do órgão, conflita, contudo, com o princípio da ampla defesa constitucionalmente protegido no rol dos direitos individuais e coletivos.
No âmbito das relações de consumo, especificamente, são os PROCONs, estaduais e municipais, que têm exigido o depósito de parcela da multa aplicada pela decisão recorrida para que o recurso eventualmente interposto seja apreciado.
Em que pese o processamento dos feitos – e dos recursos – tenha legislação e rito próprio nos PROCONs é inegável que os princípios constitucionais devem ser respeitados inclusive no âmbito dos processos administrativos de sua competência.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula n.º 373, publicada em 30 de março de 2009, reconheceu que “é ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo”.
Essa súmula foi fruto de intensa discussão travada nos últimos anos acerca da garantia ao princípio da ampla defesa e ao exercício do direito de petição, protegidos constitucionalmente (art. 5º, incisos LV e XXXIV).
Além disso, outro fundamento que respalda a tese contrária à exigência de depósito prévio para a abertura da via recursal administrativa se funda na própria natureza desse tipo de exigência. É que o depósito prévio pode ser compreendido como uma espécie de garantia ou caução e não tem a natureza – como defendem os adeptos de sua exigência – de pressuposto processual de admissibilidade dos recursos, que é um requisito objetivo consistente no custeio das despesas necessárias ao processamento do feito.
Esse entendimento tem sido aplicado em julgados recentes pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do Recurso Especial nº 800.518/SP, cujo acórdão foi publicado na imprensa oficial no dia 20 de outubro de 2009, com a relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, da Primeira Turma.
Vale dizer: admitir-se a possibilidade de um fornecedor recorrer administrativamente, independentemente de depositar de antemão determinado percentual da multa que lhe foi aplicada em primeiro grau, não fere os princípios protecionistas que regem as relações de consumo.
Frise-se que, mesmo em grau recursal e com a dispensa de depósito prévio, permanecem vigendo os princípios da vulnerabilidade e, dependendo do caso e se declarada a condição de hipossuficiência na relação consumerista, a inversão do ônus da prova.
Acrescente-se a isso o fato de inexistir prejuízo aos consumidores ou aos órgãos protecionistas ao aplicar a dispensa da exigência de depósito prévio recursal, pois, caso a multa permaneça após a apreciação do recurso administrativo, o fornecedor deverá recolher a quantia total aos cofres públicos, sob pena de inscrição do débito em dívida ativa e a propositura da competente execução fiscal.
O mesmo raciocínio, contudo, não pode ser aplicado de forma inversa, uma vez que há casos nos quais recolher parcela da multa que ainda será discutida, seja administrativa ou judicialmente, pode impactar o desenvolvimento das atividades do fornecedor de forma significativa, ainda mais quando se trata de casos em que o órgão fixa penalidades abusivas, lastreado, apenas, na capacidade econômica do fornecedor, o que vem sendo coibido pelo Poder Judiciário.
Por todos esses motivos e, apesar das controvérsias que ainda permanecem acerca do tema, é forçoso concluir-se que, também para as relações de consumo, não se pode exigir o depósito prévio de determinada parcela da multa ou sua totalidade como requisito de admissibilidade de recurso administrativo, sob pena de ferirem-se direitos e garantias previstos e protegidos constitucionalmente.
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