A questão da retomada de contratos suspensos de obras de engenharia pela Administração Pública

Autora: Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo, sócia do escritório Edgard Leite Advogados Associados.

 

A discussão sobre a viabilidade, sob o aspecto jurídico, da retomada de obras públicas, cujos contratos encontram-se paralisados por anos, não é nova, e, sempre que trazida à luz, reascende calorosas discussões, com ilustres defensores pró e contra a legitimidade da retomada das obras, objeto de contratos administrativos antigos.

Desde logo, nos parece necessário a recolocação da questão em seus devidos contornos, das premissas básicas para permitir a correta apreciação do tema, a fim de permitir a extração das conclusões, sejam favoráveis ou condenatórias, acerca da decisão administrativa de retomada da execução de obras licitadas e contratadas, mas que, por diferentes razões, foram suspensas, por determinação da Administração contratante.

A nosso ver, a eventual decisão pela continuidade de um contrato antigo de determinada obra pública não se caracteriza como um “direito do contratado”; tampouco seria uma decisão inserida nos limites do Poder Discricionário da Administração, ou, ainda, fruto de decisão pessoal do Administrador.

A continuidade de serviços e obras de engenharia somente será legítima – e, nesta hipótese, dela a Administração não poderá se afastar – caso estejam presentes as condições objetivas que apontem ser, tal decisão a que melhor atenda à finalidade pública pretendida, em última análise, que atenda ao Interesse Público.

Em outras palavras, é o Interesse Público que está a ditar ou, ao contrário, a impedir a retomada de determinado projeto ou empreendimento.

Apesar de clara tal assertiva, na prática, a comprovação dessa necessidade para atendimento ao Interesse Público, não pode prescindir de estudos técnicos e econômico-financeiros que comprovem ser, a continuidade de um contrato administrativo- não raras vezes, vetusto, ou, até mesmo, regulado por leis que não estejam em vigência – mais vantajosa, para o atendimento ao Interesse Público, do que a sua extinção do ajuste e a instauração de novo certame licitatório.

Como avaliar qual a melhor solução: extinção do contrato existente e partir-se para nova licitação e, por conseqüência, nova contratação ou resgatar o contrato administrativo antigo, que estava suspenso?

Tal análise, além de complexa envolve sérios riscos, seja qual for a alternativa a ser adotada.

Há que se avaliar, de forma concreta e objetiva, os dois cenários, (contrato existente x nova contratação), considerando-se, no mínimo, os seguintes critérios:

  • Comprovação da Viabilidade e Eficiência do projeto original – ainda que sujeito a adequações técnicas, para o atendimento da finalidade pretendida com a execução da obra, quando comparado com os projetos, atualmente disponíveis.

Para atendimento a tal quesito faz-se absolutamente imprescindível, caso sejam necessárias adequações técnicas no projeto original, que o objeto contratado se mantenha íntegro, preservado, incólume.

  • Comprovação da Economicidade – a decisão pela continuidade do contrato suspenso – paralisado – somente será legítima, se os preços contratados forem menores ou, no mínimo, compatíveis, com aqueles que integrarão o Orçamento-referência da Administração, caso seja realizada uma nova licitação.

Para que seja alcançada a imprescindível vantajosidade e, a partir dela, ser permitida a retomada das obras, a Administração poderá promover tratativas com a contratada, objetivando a renegociação dos preços e bases do ajuste original, cujos termos e condições renegociados deverão ser objeto de formalização, através da lavratura do competente instrumento de alteração do contrato.

Some-se, ainda, a necessidade de se verificar se a empresa contratada, ainda, reúne, em caso de retomada da execução contratual, as condições presentes no momento da Habilitação, seja quanto à habilitação jurídica, seja sob o aspecto da qualificação técnica e econômico-financeira, e, ainda, de regularidade fiscal.

Não será demais observar que todas as avaliações referidas deverão ser devidamente materializadas em pareceres técnico, jurídico e econômico-financeiro, os quais deverão ser trazidos ao processo administrativo, precedendo a decisão de retomada da execução contratual, de forma que, também, sob o aspecto administrativo, formal, a contratação esteja em termos.

Somente após verificados e comprovados todos esses aspectos é que os Tribunais de Contas brasileiros, em diversos casos, têm se posicionado pela regularidade da retomada da execução das obras, com a continuidade de contratos, que, antes estavam suspensos.

Recentemente, o Tribunal de Contas da União, em Acórdão, inserido na Ata nº 37, de 17.09.2008, manifestou-se favoravelmente à continuidade das obras de implantação da Usina Termonuclear de Angra 3, “cuidando para que sejam obedecidas as normas específicas aplicáveis à construção de obras nucleares, que garantam a qualidade e segurança do empreendimento, devendo ser reconhecidas as particularidades da obra, atestadas por órgãos técnicos e relatórios de especialistas, desde que estejam em conformidade com o § 1º do art. 115 da LDO/2008 ou dispositivo que o suceda, na LDO/2009.”

Determinou que sejam realizadas renegociações visando a redução de custos, com reavaliação da composição dos preços contratuais, bem como do BDI, sobre eles incidente, afim de consolidar a vantajosidade da retomada da execução contratual.
Ficou assentado, expressamente, no referenciado Acórdão que, a Eletrobrás Termonuclear S.A. (Administração contratante) atente para às seguintes determinações:

a) na renegociação de preços a ser realizada por ocasião do aditamento ao Contrato NCO-223/1983, … , tendo como objeto a retomada das obras de implantação da Usina Termonuclear de Angra 3, deverão ser obedecidas as normas específicas aplicáveis à construção de obras nucleares, que garantam a qualidade e segurança do empreendimento, devendo ser reconhecidas as particularidades da obra, atestadas por órgãos técnicos e relatórios de especialistas, …” (item 9.1.1. da Ata n° 37/2008)

b) considere, na referida renegociação, as potencialidades de redução de custos preliminarmente identificadas no presente relatório, sem se limitar a estas, cuidando de fundamentar todas as avaliações e escolhas feitas na negociação, inclusive para que se possa justificar a eventual não-concretização das possibilidades de redução apontadas; (item 9.1.2.)

c) detalhe todas as “verbas” remanescentes do contrato, possibilitando a exata identificação do que as compõe e a avaliação de eventual duplicidade na prestação dos serviços;(item 9.1.3.)

d) na negociação do BDI a ser aplicado ao Contrato NCO-223/1983, observe as diretrizes emanadas na jurisprudência deste Tribunal, explicitando particularidades que justifiquem a eventual adoção de valores acima dos de referência médios aceitos pelo TCU; (item 9.1.4.)

e) exija da Contratada, a apresentação das composições analíticas de preços unitários para todos os itens da planilha orçamentária, devidamente acompanhadas das memórias de cálculo em meio magnético, as quais devem conter explicitamente os custos de todos os insumos, bem como os índices de consumo de materiais e produtividade da mão-de-obra/equipamentos, destacando as eventuais diferenças em relação aos preços de serviços usualmente encontrados no mercado, bem como a apresentação da composição analítica da taxa de BDI e de encargos sociais, aplicadas sobre os preços renegociados, acompanhadas das devidas justificativas sobre o percentual a ser aplicado sobre cada um dos itens das referidas composições; (item 9.1.5.);

f) submeta ao TCU, antes de autorizar o início das obras, com no mínimo 60 dias de antecedência, o Termo Aditivo ao Contrato NCO-223/1983, decorrente da repactuação, acompanhado de todos os seus anexos, e respectiva documentação comprobatória., em especial, planilhas preços a serem repactuados, composição do BDI, etc.

g) apresente projeto básico ou executivo completo do empreendimento, incluindo os critérios de medição e pagamento dos serviços contratuais, as Especificações Técnicas dos serviços a serem executados, desenhos, plantas, memoriais descritivos, levantamentos topográficos e geológicos efetuados, acompanhado das respectivas anotações de responsabilidade técnica junto ao CREA.

Caso as providências e respectivas comprovações solicitadas não sejam adequadas e suficientes para justificar a vantajosidade da retomada das obras de construção de Angra 3, o TCU, no referido julgado, expressamente ressalva a possibilidade de determinação de nova licitação, “para as obras civis, valendo-se ainda do disposto na cláusula 3ª, item 3.3, do Contrato original NCO-223/83, a qual reserva direito à Eletronuclear de contratar serviços adicionais de terceiros (como todos os de acabamento, não existente na planilha de preços original), caso não sejam aceitas as condições propostas pela empreiteira, sem que isto acarrete reivindicações de qualquer natureza.”

Nessa conformidade, o TCU houve por bem, no caso vertente, se ater, preponderantemente, ao atendimento ao Interesse Público, em relação à estrita legalidade, pretendendo assim, que se atinja o escopo precípuo do bem comum.

Assim, nosso entendimento vai no sentido de que, nos casos de retomada da execução de obras objeto de contratos suspensos, independentemente do prazo de paralisação, deve prevalecer a análise técnica e econômico-financeira – absolutamente isenta, criteriosa e desapaixonada, informada pelo princípio da razoabilidade, que releva a rigidez da aplicação do princípio da legalidade estrita, para que outros princípios do mesmo jaez, como os da eficiência e da supremacia do interesse público, não sejam sacrificados.

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