Autor: Edgard Hermelino Leite Junior, advogado integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Nova realidade teve início, em meados de 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, assegurando direitos e impondo cuidados preventivos a quem pratica relações de consumo.
E o documento normativo supra mencionado define muito bem os principais atores das relações comerciais: consumidor e fornecedor.
‘Consumidor’ é ‘toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’.
‘Fornecedor’ é definido, ainda, pelo Código de Defesa do Consumidor como ‘toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços’.
Até recentemente, o ‘fornecedor’ se constituía na parte forte dessa relação, o que poderia ser analisado como resultado de relações comerciais em um mercado pouco definido em função da pequena possibilidade de competição. Hoje vivemos o início de uma outra realidade.
Todavia, mesmo depois de dezesseis anos da existência do Código de Defesa do Consumidor, e, ainda, apenas, embrionariamente, somente agora a população começa a demonstrar interesse em conhecer os direitos que a protegem.
Também nossas Cortes, até então reticentes e receosas no referendo de tais questões, iniciam forte tendência em assegurar ao cidadão, outrora renegado, a tutela dos interesses próprios de consumidor.
Em emblemática decisão (RESP 250.979), o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Quarta Turma, tendo como relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, confirmou a condenação de renomada empresa a indenizar em 500 salários mínimos, R$ 75.000,00, um senhor aposentado que ficou tetraplégico em razão das lesões provocadas por acidente ocorrido no interior de uma de suas filiais. A vítima escorregou depois que uma funcionária do estabelecimento iniciou a limpeza do piso de um dos setores da loja, sem isolar a área.
Anteriormente, o juízo monocrático proferiu sentença favorável à empresa. O Tribunal de Justiça de São Paulo, contudo, ao apreciar o apelo interposto pelo acidentado, impôs à empresa-ré, condenação de R$ 300.000,00, valor posteriormente reduzido.
Apesar do trágico acontecimento, é importante salientar que o ‘fornecedor’ pagou alto preço pela publicidade negativa e exposição de seu já conceituado nome associado ao descaso com que trata seus clientes. Aliás, preço muito maior que a simples quantia apurada a título de indenização, menor do que o proposto e até insignificante para empresa de tamanho porte.
Ocorre que foi aberto precedente maculador da marca construída ao longo dos anos. Cumpre-nos ressaltar que pequenos cuidados preventivos, apenas no âmbito jurídico, diminuiriam o risco de tais ocorrências. Em tese, a orientação dos funcionários, quer por simples cartilhas elaboradas, quer por aulas ministradas por profissionais especializados, adequariam os diversos ofícios exercidos dentro de uma esfera de trabalho à legislação vinculada às relações de consumo, evitando-se assim dissabores.
As questões afetas à saúde e segurança encontram-se entre as mais relevantes suscitadas no campo da proteção do consumidor, em inconteste manifestação do direito à vida. Os artigos 8º, 9º e 10, do Código de Defesa do Consumidor, repudiam a colocação no mercado de consumo de produtos e serviços potencialmente capazes que gerar danos à integridade física dos consumidores, respeitadas as características normais de fruição e natureza. É a consagração do binômio qualidade/segurança, com a imposição de normas de cunho preventivo.
A inobservância de tais preceitos configura crime contra as relações de consumo. Em contrapartida, sempre que forem respeitadas as cautelas inerentes à prevenção dos danos potenciais, constatadas prévia e posteriormente à introdução de serviços e distribuição de produtos no mercado, através de todos os meios necessários, exclui-se a responsabilidade do fornecedor.
Os litígios entre consumidor e fornecedor, quer pela prestação de serviços mal executada, quer por problemas gerados em razão de produtos, muito mais do que a busca de simples solução para interesses conflitantes individualmente identificados, certamente trarão à sociedade brasileira saudável alteração de comportamento, onde somente sobreviverão as empresas preocupadas, preparadas e juridicamente esclarecidas, quanto à melhor forma de atendimento aos anseios de seus clientes.
Os direitos e deveres dos consumidores brasileiros, no mais das vezes, desconhecidos pelas empresas e por seus encarregados, vêm, a largos passos, encontrando abrigo nos diversos juízos nacionais, configurando nova realidade protetiva, ainda muito distante das inibidoras e, às vezes, exorbitantes indenizações impostas pela Justiça dos Estados Unidos da América, mas que causará forte impacto na sociedade brasileira.
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