Autores: Edgard Hermelino Leite Junior e Mario Rossi Barone, respectivamente sócio e advogado integrante de Edgard Leite Advogados Associados.
A crise financeira mundial, desencadeada nos Estados Unidos em razão de contratos de financiamento imobiliário celebrados de maneira absolutamente irresponsável e sem nenhuma garantia mínima de pagamento, se espalhou pelo mundo. Atingiu a Europa e a Ásia e, como não poderia ser diferente, trouxe reflexos bastante negativos para a economia brasileira.
A princípio, imaginou-se que o Brasil seria afetado somente em razão do desaquecimento das economias norte-americana e européia, o que poderia diminuir a compra de produtos brasileiros por tais países.
Contudo, não foi isso que se viu no último mês de outubro. As instituições financeiras estancaram a oferta de crédito e colocou-se uma sombra de suspeita sobre a confiabilidade do sistema financeiro nacional.
Por outro lado, seguindo o ritmo das demais bolsas de valores mundiais, a BM&F Bovespa desabou e com isso o valor de mercado de algumas empresas brasileiras simplesmente derreteu. Os investidores, à procura de um porto seguro, venderam suas posições em ações e passaram a buscar títulos do tesouro norte-americano, que é comprado pelo dólar.
Com a procura pelo dólar no mundo inteiro, o preço da moeda explodiu. No Brasil, em uma semana, saiu de R$ 1,63 para R$ 2,30 – uma alta de 60%!
Essa brusca alteração cambial trouxe reflexos negativos imediatos para muitas empresas, em especial aquelas que utilizam contratos de importação de mercadorias com suas contrapartes estrangeiras e que o pagamento da mercadoria se dá apenas no momento da entrega, como as matérias-primas de produtos industrializados.
Entre essas empresas, podemos destacar as grandes importadoras de commodities, empresas farmacêuticas que dependem de produtos químicos importados para a fabricação de medicamentos, fabricantes de eletroeletrônicos e companhias do setor da construção civil, em razão da grande quantidade de aço empregado nessa atividade econômica.
Além disso, outros contratos vinculados ao câmbio, como aquisições e fusões de empresas, além da compra e venda de imóvel, também sofreram uma alteração brusca nos parâmetros negociais estabelecidos antes do agravamento da crise.
Qualquer tipo de contrato – acordo de vontades entre duas ou mais partes -, deve ser, necessariamente, pautado pela força vinculante das obrigações, princípio pelo qual as partes contratantes ficam obrigadas a cumprir de forma absoluta o estipulado no pacto. Daí vem o brocardo “os contratos existem para serem cumpridos”.
Trata-se de princípio basilar do direito contratual e já era aplicado antes mesmo que alguma lei pudesse ser escrita. É princípio básico que garante o mínimo de segurança jurídica entre as partes.
Contudo, existem dispositivos no Código Civil Brasileiro que garantem a possibilidade de revisão contratual no caso de eventos extraordinários, imprevisíveis e alheios à vontade das partes, capazes de trazer desvantagens excessivamente onerosas para um dos contratantes e/ou enriquecimento sem causa para a outra.
Embora o Brasil adote o regime de flutuação cambial, está claro que a recente explosão do valor da moeda norte-americana é um fato imprevisível e totalmente alheio aos contratantes. Por outro lado, não há dúvida que a variação cambial em 60%, necessariamente, trará prejuízos excessivamente onerosos para aquele que, há três meses, se comprometeu a pagar determinada mercadoria pela cotação do dólar a R$ 1,60 e, agora, quando do efetivo desembolso do valor, se vê obrigado a comprá-la por R$ 2,30.
Em situações como essa, onde há inequívoco prejuízo de um dos contratantes e enriquecimento sem causa do outro, vislumbramos alteração relevante das condições pré-estabelecidas no contrato, fato que permite a revisão do contrato. Portanto, a parte prejudicada deve tentar renegociar amigavelmente as bases contratuais com o outro contratante e em caso de insucesso, a única alternativa é requerer junto ao Poder Judiciário, com fundamento no artigo 478, do Código Civil, a revisão do contrato ou até mesmo a sua resolução.
Vale lembrar que em 1999 o Brasil passou por outra crise cambial e houve uma maxidesvalorização do Real. Naquela época, milhares de pessoas que foram prejudicadas em razão de contratos de arrendamento mercantil atrelados ao dólar tentaram buscar a revisão contratual judicialmente, sendo que muitas não obtiveram sucesso.
Isso se deve ao fato de o Código Civil vigente à época não possuir previsão expressa a respeito da teoria da imprevisão, isto é, a possibilidade de um contrato ser alterado em razão da ocorrência de situações excepcionais, imprevisíveis e alheias à vontade das partes.
No tocante aos efeitos da atual crise cambial, a chance de êxito em ações revisionais de contratos em que existe a comprovada onerosidade excessiva de uma das partes aumentou significativamente, visto que a teoria da imprevisão foi adotada no atual Código Civil, exatamente no artigo 478 acima mencionado.
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