Autores: Diogo L. Machado de Melo e Jessica Suetsugo Mitsuse, advogados integrantes do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Numa época em que a crise financeira assola a economia mundial, todos buscam alternativas mais econômicas para seus gastos com o fim de sofrerem menos os efeitos dessa turbulência.
O anúncio de mais uma alta da tarifa da energia elétrica, no início de fevereiro, gerou grande alvoroço principalmente entre clientes comerciais e industriais. Não sem motivo. Desde o colapso do setor, que alcançou proporções nacionais nos anos de 2001 e 2002, o brasileiro sabe que energia abundante e barata já não é mais a realidade.
A primeira e mais óbvia alternativa é a substituição, no horário de pico (das 17 às 20 horas), da energia fornecida pelas concessionárias de energia elétrica pela produzida por geradores particulares. O gerador mais comumente utilizado por estabelecimentos comerciais é o movido a diesel.
A solução encontrada pelos consumidores comerciais e industriais apresenta grande vantagem econômica: no horário de pico, o KW pode custar em São Paulo R$ 0,96 centavos. O custo do KW produzido por um grupo moto-gerador, no mesmo horário, é de R$ 0,34 centavos, já incluindo o custo do diesel, da manutenção e depreciação dos equipamentos, representando, portanto, uma economia de aproximadamente 65%.
Tal alternativa, embora comumente adotada, apresenta grande desvantagem ambiental.
Sem maiores digressões, pesquisas apontam que a combustão do diesel libera diversas substâncias tóxicas, dentre as quais enxofre, arsênico e benzeno na atmosfera. Essas substâncias, como efeito imediato, causam irritação das mucosas e, a longo prazo, podem ser responsáveis por complicações respiratórias e cardíacas, problemas nos rins e no sistema nervoso, além de serem causadoras de diversos tipos de câncer.
Admitir a poluição do meio-ambiente como alternativa econômica, contraria as diretrizes da função social dos contratos e da própria empresa. Pelo relevante valor socioeconômico, a empresa deve observar princípios constitucionais e infraconstitucionais. Dessa forma, a função social da empresa é somente alcançada quando suas atividades se desenvolvem em pilares éticos, promove o valor do indivíduo perante a sociedade, visa à redução da desigualdade social, promove a justiça social, a livre iniciativa, o pleno emprego e o valor social do trabalho, busca a dignidade da pessoa humana e observa valores ambientais.
Sobre o assunto, um importante cliente do ramo varejista e atacadista nos fez, recentemente, a seguinte indagação: Para economizar é preciso poluir e romper com a função social? Não deveria. O teleatendimento da AES Eletropaulo, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), entretanto, informaram não conhecer qualquer incentivo tarifário a consumidores comerciais.
Ainda que os contratos de fornecimento de energia sejam constituídos por adesão e contidos por cláusulas contratuais gerais, abstratas e rígidas, entendemos admissível a ingerência do Judiciário para controlar cláusulas que admitem ? de maneira genérica, sem qualquer contrapartida concreta ? a abusividade contida na fixação de diferença tarifária em horários de pico eis que ofensiva à função social dos contratos e da empresa, nos termos dos artigos 3º, I, 170 da Constituição Federal, art. 51, XIV do Código de Defesa do Consumidor e art. 421 do Código Civil.
Ressalte-se que as empresas não querem se eximir do pagamento da energia utilizada; apenas clamam por redução a um valor justo da tarifa praticada em horário de pico, até mesmo por um apelo de saúde pública, ambiental e socioeconômico, o que pode ser determinado em juízo, no controle da abusividade da cláusula pelo juiz.
Quanto mais elevado o gasto de manutenção de um estabelecimento comercial, maior será o prejuízo da população, com alta dos preços dos produtos expostos nas prateleiras. O valor da conta com energia elétrica pode representar o terceiro maior gasto mensal num estabelecimento comercial, ficando atrás apenas dos valores despendidos com pessoal e locação e manutenção do imóvel.
Certo é que a relação desvantajosa entre industrial e comerciário com as concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais é repassada ao consumidor final, que perde parcela de sua capacidade aquisitiva por arcar com todo o ônus da escala produtiva. Isso tudo numa época em que as relações de consumo já estão comprometidas com a crise financeira do cenário econômico internacional.
E mais uma vez, é o consumidor final quem sofre as seqüelas das ingerências das concessionárias contratadas pela administração pública e das políticas governamentais. Mas agora pode perder mais: com o gerador a diesel, pode perder também em qualidade de vida.
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