Autor: Giuseppe Giamundo Neto, sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Como se sabe, as microempresas e empresas de pequeno porte representam um dos principais alicerces da economia brasileira. São responsáveis por uma boa parcela da geração de renda e de empregos no País. Ciente dessa importância sócio-econômica, instituiu-se com a Emenda nº 6/95, o inc. IX ao art. 170 da Constituição, para estabelecer que a ordem econômica deve observar o princípio do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Com base nessa previsão foi editada a Lei Complementar nº 123/06, criando o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte e criando um conjunto de normas gerais voltadas ao tratamento diferenciado e favorecido dessas atividades empresariais. Pretendendo regulamentar tal tratamento, o estatuto estabeleceu privilégios na participação de licitações públicas. Verifica-se que referida lei foi editada com um intento bastante positivo (o de facilitar o acesso destas empresas ao mercado), materializando, efetivamente, o princípio do tratamento favorecido a essa categoria de empresas.
São muito positivas, por exemplo, as disposições relativas à comprovação da regularidade fiscal, a qual deve ser exigida somente para efeito de assinatura do contrato. Além disso, caso haja alguma restrição, é assegurado o prazo de dois dias úteis para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito. Também é interessante a possibilidade de a União, os Estados e os Municípios (desde que previsto em lei) promover licitação destinada exclusivamente às microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80 mil; ou que estabeleça cota de até 25% do objeto para a contratação dessas empresas em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. Na mesma linha, o art. 44 assegura, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
Até aí, a inovação é muito bem vinda, na medida em que plenamente observado o propósito da Constituição ao conferir tratamento favorecido às empresas mencionadas. Contudo, o par. 1º do mesmo dispositivo define que se entende por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada. Nessa hipótese, a licitante favorecida (micro ou pequena) poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado. Em que pese a intenção do legislador tenha sido das melhores (pautado no princípio do tratamento favorecido a empresas de pequeno porte), a margem de 10% se mostra excessiva e acaba por conferir uma vantagem extrema e até mesmo desleal nas licitações, invadindo, assim, o campo de outros princípios de mesmo quilate expressos ou implícitos no texto constitucional, quais sejam, o da igualdade de condições a todos os concorrentes, o da razoabilidade, o da impessoalidade e o da economicidade.
A finalidade da licitação, como é sabido, é a de selecionar a melhor proposta para a Administração Pública. A Lei 8.666/93 afirmou, ainda, que a licitação visa assegurar a realização do princípio da isonomia (art. 3º). Contudo, o que tem se visto na prática, é que muitas empresas favorecidas têm se utilizado dessa previsão como ferramenta para se sagrar vencedoras de certames com preços significativamente superiores aos que proporiam caso competissem em igualdade de condições com as demais. Cientes de que terão a chance de reduzir sua proposta ao valor da menor oferta apresentada por empresas de porte maior, algumas empresas de pequeno porte têm evitado baixar a proposta ao mínimo que lhe seria possível, com a estratégia de, utilizando-se da margem dos 10% de desempate, reduzir apenas o necessário para vencer o certame.
Tal prática, no entanto, não se coaduna com os princípios destacados, sendo de rigor a revisão pontual na Lei nº 123/06 para suprimir a previsão que assegura, como critério de desempate, preferência de contratação para empresas de pequeno porte ou (o que nosso interpretar se afigura mais razoável), manter o benefício, apenas reduzindo a margem percentual que define o empate. A regra da igualdade, pois, cuja materialização conceituada por Rui Barbosa se dá aquinhoando-se desigualmente os desiguais (e, no presente caso, com o tratamento favorecido das empresas de pequeno porte em relação às demais), deve ser operada com a observância e o respeito aos princípios norteadores do sistema jurídico aplicáveis à espécie, calcados em critérios razoáveis que evitem opções arbitrárias ou abusivas.
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