Autor: Giuseppe Giamundo Neto, sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Intenso debate se instaurou nos últimos dias diante do início das tratativas relativas à incorporação do Banco Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Vozes contrárias à operação surgiram, especialmente sob o argumento de que, por se tratar a Nossa Caixa de uma instituição financeira da qual o Estado de São Paulo detém o controle acionário, faz-se necessária a realização de leilão para a sua venda.
Quer para ‘comprar’, quer para ‘vender’, o Poder Público tem o dever, por força da Constituição Federal (arts. 37, XXI, e 175), de realizar licitação. E o leilão, como sendo uma das modalidades de licitação previstas na Lei Federal nº 8.666/93, é utilizado, em regra, quando o Poder Público ‘vende’ (art. 22, § 5º), sempre com o objetivo de que seus bens sejam alienados pelo melhor preço.
A regra da licitação nesses casos é inafastável, ainda que para a compra do bem figure como interessado entidade controlada pelo Poder Público, como é o caso do Banco do Brasil diante da venda do controle acionário do Banco Nossa Caixa.
Ocorre, contudo, que a realização de leilão do Banco Nossa Caixa da forma como divulgada incorreria em um óbice de natureza legal pouco abordado no noticiário, qual seja, o relativo à impossibilidade de transferência dos depósitos judiciais administrados pelo banco para instituições financeiras de natureza privada.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 666, dispõe que os bens penhorados serão depositados no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em bancos de que o Estado da Federação possua seu controle acionário. Somente na falta de tais estabelecimentos de crédito, ou agências suas no lugar, é que o depósito poderá ser feito em instituições privadas.
O Supremo Tribunal Federal, não é demais lembrar, quando apreciou a Medida Provisória 2192-70/2001, que dispunha sobre a privatização de instituições financeiras, julgou inconstitucional dispositivo nela contido que permitia a manutenção dos depósitos judiciais na própria instituição financeira privatizada ou no banco adquirente do seu controle acionário (ADI-MC 3578).
Ao tratar recentemente da questão, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em Sessão Ordinária realizada em 12/05/2008, determinou a suspensão de convênio firmado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o Banco Bradesco, bem como a transferência para este dos depósitos judiciais de instituição financeira controlada pelo Poder Público, tudo com com base no que dispõe o mencionado dispositivo do Código de Processo Civil (cf. Procedimento de Controle Administrativo nº 2008.10.00.002488). Há pelo menos dois outros precedentes nesse sentido no CNJ.
No caso da Nossa Caixa, estima-se que o banco seja responsável por uma carteira relativa a depósitos judiciais estimada de R$ 16 bilhões. Este seria, segundo recentes declarações do Governo Estadual, o principal atrativo da instituição, sendo certo que, diante da possibilidade de a transferência dos depósitos judiciais ser feita para o Banco do Brasil (e apenas para ele), eventual leilão seria desnecessário, tendo em vista que a sua proposta seria sempre a melhor.
Tal argumento contudo, não é suficiente para que se deixe de promover o leilão. Isso porque, nada impede que os depósitos judiciais, na qualidade de ativos da instituição financeira, sejam retirados do objeto licitatório, leiloando-se os ativos passíveis de serem alienados à iniciativa privada. Tal hipótese, certamente, garantiria a observância do princípio constitucional da isonomia, bem como atenderia o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
No âmbito do Estado de São Paulo, para a alienação de ações é necessário que haja prévia autorização da Assembléia Legislativa, conforme inciso XV, do artigo 47 da Constituição Estadual, que estabelece competir ao Governador do Estado ‘dispor, a qualquer título, no todo ou em parte, de ações ou capital que tenha subscrito, adquirido, realizado ou aumentado, mediante autorização da Assembléia Legislativa’. É um comando político-administrativo que obriga o Chefe do Executivo estadual a solicitar a autorização do Poder Legislativo, mediante lei.
Espera-se que, mantida a intenção do Poder Executivo na venda direta do banco, a matéria seja discutida na Assembléia Legislativa, atentando-se à obrigatoriedade da licitação e ao princípios da isonomia e eficiência inerentes à atividade administrativa.
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