Autora: Laila Abud, advogada integrante do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
A enfiteuse ou aforamento é um dos mais amplos direitos reais, pois consiste na atribuição do domínio útil de um imóvel, feita pelo proprietário a terceiro, que, por sua vez, exerce o direito de posse, uso, gozo e disposição do bem, mediante o pagamento de um foro anual e do laudêmio, para o caso de transferência.
Existem diversas pesquisas realizadas no sentido de explicar a origem da enfiteuse e conseqüente cobrança das taxas de foro e laudêmio relativas aos lotes de terra localizados em Alphaville e Tamboré.
Contudo, são poucos os moradores daquela região que sabem a origem e legitimidade daquela taxa que pagam há tanto tempo.
De um levantamento histórico completo das pesquisas e constatações existentes, dentre as quais incluem-se determinações e pareceres judiciais, foi possível concluir que a realidade atual estaria ligada a uma decisão administrativa datada de 29 de dezembro de 1966, oriunda da Delegacia do Serviço de Patrimônio da União, que, ao expedir o Alvará nº 399/66, conferiu à União a propriedade destas terras e, conseqüentemente, o direito de receber as taxas de foro e laudêmio daqueles que as ocupam.
Dos registros históricos constata-se que os lotes em questão, inicialmente, foram doados pela Coroa diretamente aos índios, que lá estabeleceram diversas aldeias (Pinheiros/São Miguel/Itapecerica, Imbuy, Baruery).
No decorrer dos anos, os índios repassaram as terras gradativamente.
Em 31 de maio de 1739, o denominado Sítio Tamboré, hoje localizado na região de Alphaville e Tamboré, foi adquirido por Francisco Rodrigues Penteado. E, assim, transferido para outras pessoas.
Em conseqüência de um Aviso expedido pelo Governo Imperial, em 21 de outubro de 1850, ordem nº 44, de 21 de janeiro de 1856 e 21 de janeiro de 1858, os aldeamentos indígenas foram extintos e, portanto, passaram a ser considerados como propriedade da União.
Isso, contudo, não durou muito, pois, com o advento da Constituição Republicana de 1891, os aldeamentos indígenas deixaram de ser patrimônio da União.
Com base na Carta Maior da época, foram prolatadas diversas decisões judiciais, entendendo que não se tratava de aforamento.
Nesse ínterim, os herdeiros de Francisco Rodrigues Penteado partilharam o Sítio Tamboré em 06 quinhões, conforme consta de Escritura Pública lavrada em 1935, perante o 2ª Cartório de Notas da Capital, definindo de forma bastante minuciosa toda a região de Alphaville e Tamboré.
A Constituição Federal de 1937 em nada alterou a de 1891, neste aspecto. Em 1946, no entanto, foi editado o Decreto-lei nº 9.760/46, que, ao contrário do que previa a CF, incluiu os extintos aldeamentos indígenas dentre as terras pertencentes à União (art. 1º, ‘h’).
Ocorre que a Constituição Federal de 1946 não recepcionou tal determinação. Portanto, mesmo admitindo-se que o Decreto-lei nº 9.760/46 tratava-se de emenda à CF de 1937, o mesmo acabou revogado pela Carta de 1946.
Não obstante isso, em 29 de dezembro de 1966 foi expedido o Alvará nº 399/66, nos termos anteriormente mencionados, conferindo novamente à União a propriedade das terras.
Com base naquele Alvará, foi lavrada nova Escritura Pública do Sítio Tamboré, denominada de Re-Ratificação, por meio da qual foram alterados os fatos anteriormente expostos para constar o aforamento da União.
Por isso, aqueles que, a partir de então, adquiriram as terras correspondentes aos quinhões em que foi dividido o Sítio Tamboré, nas quais hoje se encontram os Residenciais Alphaville 0 a 4 e Tamboré 02 a 06, só detêm o domínio útil, razão pela qual contribuem com o pagamento de foros e laudêmios.
Em decorrência de todo esse histórico é que se pode concluir, atualmente, pela possibilidade do ajuizamento de medidas judiciais objetivando afastar qualquer domínio direto da União.
Principalmente porque, apesar de não se tratar de discussão pacífica, existe na jurisprudência de nossos Tribunais respaldo suficiente para embasar o apelo ao Poder Judiciário.
Para tanto, o remédio jurídico seria a propositura de uma Ação Declaratória, com o fito de desconstituir a União como atual proprietária das terras em questão, assim como a enfiteuse gravada; ou, ainda, o ajuizamento de Ação Reivindicatória, requerendo que a propriedade dos imóveis seja integralmente transferida aos particulares que os adquiriram e que, atualmente, apenas detêm o domínio útil.
Em qualquer das ações judiciais indicadas, poderia postular-se, outrossim, o ressarcimento dos foros e laudêmios até então pagos de maneira indevida. Tal cobrança, contudo, estaria restrita aos últimos 5 (cinco) anos de pagamento, em virtude da prescrição qüinqüenal.
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