Os desafios do cumprimento contratual das concessionárias quando o Poder Concedente não é diligente
junho, 2025

A prestação de serviços públicos, mediante sua delegação à iniciativa privada, seja por meio de contratos de concessão (ou mesmo por Parcerias Público Privadas – PPPs), exige uma relação equilibrada entre a Concessionária e o Poder Concedente.

No entanto, a experiência tem demonstrado que a falta de diligência da Administração Pública pode comprometer, significativamente, o cumprimento contratual e o alcance dos objetivos buscados com a contratação, qual seja, o atendimento à finalidade pública pretendida, gerando insegurança jurídica e inviabilizando a execução adequada dos serviços.

A ausência de fiscalização, governança e gestão públicas, bem como o acompanhamento adequado por parte do Poder Concedente, podem gerar dúvidas concretas, ocasionando interpretações divergentes sobre as obrigações contratuais, afetando não só a realização propriamente dos serviços, mas a previsibilidade e estabilidade dos contratos.

O Poder Público não pode, sob nenhuma hipótese, perder de vista que a obrigação de prover a população dos serviços públicos essenciais que lhe são garantidos pela Constituição Federal é exclusivamente sua e, portanto, indelegável.

O que é delegada à iniciativa privada, mediante a formalização de contratos administrativos – seja de concessão clássica ou PPP -, é a operação desses serviços. Porém, a responsabilidade pela sua efetiva entrega à população é, e sempre será, do Poder Público, que detém, constitucionalmente, de forma privativa, o Poder Regulatório, de Polícia e, via de consequência, de Fiscalização.

A atividade estatal em tais contratos de delegação de serviços públicos sempre foi e continuará sendo a de protagonista. É a Administração quem estabelece as condições de contratação do parceiro privado, as suas atribuições e as exigências que deverão ser atendidas.

Contudo, essas contratações estarão fadadas ao fracasso, caso o Poder Público, e no caso das concessões, o Poder Concedente, deixar de realizar as suas obrigações atreladas ao poder regulatório, de polícia e fiscalizatório.

O Poder Público, em tais contratos, tem o poder-dever de zelar para que sejam viabilizadas e asseguradas todas as condições à prestação dos serviços delegados por parte da Concessionária.

Ao Contrato cabe estabelecer as linhas mestras, mas, para que seja alcançado o atendimento ao Interesse Público, a atuação diligente e efetiva do Poder Público é essencial, para promover a sua adequação, as correções de curso, que são necessárias, em especial devido ao longo prazo da execução contratual.

O contrato administrativo, firmado nos estritos termos da lei e da licitação que o precedeu, configura ato jurídico perfeito, que recebe guarida constitucional.

O artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, assegura que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, mas, na prática, a inércia do ente público pode desvirtuar o contrato originalmente firmado.

A falta de atuação efetiva do Poder Concedente – no cumprimento das obrigações que lhe são afetas – compromete o bom desempenho da contratação. Além do adimplemento das obrigações assumidas pela Concessionária, o sucesso da contratação dependerá do cumprimento fiel, por parte da Administração, de suas obrigações privativas indelegáveis.

A Concessionária não tem competência e, via de consequência, legitimidade, para aprovar e autorizar as condutas, procedimentos e correções necessários, tampouco, sponte propria, proceder aos reajustes ou revisões tarifários para a adequada execução do objeto contratual, por mais indiscutíveis que sejam.

A execução de investimentos, serviços e obras previstos no contrato de concessão depende, muitas vezes, da atuação do Poder Concedente, seja para licenciamento ambiental, desapropriações ou até mesmo aprovação de projetos, essenciais para que a Concessionária possa executar o objeto contratado, respeitando-se, sempre, o equilíbrio econômico-financeiro da equação contratual original, cuja proteção tem raiz constitucional.

O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 garante proteção ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.

Exatamente em prestígio desse comando constitucional é que a Lei nº 8.987/1995, ao regulamentar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos prevê, em seu artigo 9º, que a concessionária tem direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

O Decreto nº 10.139/2019, que tratava da revisão e consolidação de atos normativos, diploma revogado pelo Decreto 12.002/2024, buscava simplificar processos administrativos, mas, na prática, a morosidade do ente público pode travar a execução de projetos essenciais.

A falta de diligência do Poder Concedente pode, portanto, implicar em descumprimento desse princípio.

As Leis nº 8.666/1993 e nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) estabelecem que os contratos administrativos devem manter o equilíbrio econômico-financeiro ao longo de sua vigência.

Quando o Poder Concedente não realiza reajustes tarifários ou posterga a execução de obrigações contratuais (como repasses financeiros), a Concessionária pode enfrentar dificuldades financeiras que comprometem a prestação do serviço concedido.

A Lei nº 13.655/2018 alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), para incluir, em seu artigo 20, que nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, o que deveria ser levado em conta para evitar paralisações indevidas de contratos de concessão.

Há que se ter em mente que todos perdem com a paralisação, suspensão ou extinção dos Contratos de Concessão.

A solução de continuidade na prestação dos serviços públicos essenciais concedidos à iniciativa privada não interessa à Concessionária, que comprometeu pesados recursos financeiros, nem ao Poder Público, que verá a execução do serviço público interrompida e terá dificuldades para o seu rápido restabelecimento, dada a burocracia administrativa, tampouco à população usuária dos serviços, que se a principal prejudicada.

O bom senso e o espírito público, que devem permear as decisões administrativas, se tornam ainda mais necessários para evitar o desgaste e, o mais grave, a ruptura das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o Poder Concedente e as Concessionárias de Serviços Públicos.

Embora a Lei nº 13.129/2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), tenha permitido o uso da arbitragem para dirimir conflitos em contratos administrativos, a ausência de mecanismos eficientes para a mediação e solução de controvérsias dentro do próprio Poder Concedente ainda é um entrave.

Muitas disputas acabam sendo levadas ao Judiciário, causando demora e prejuízos, não só para a Concessionária, mas, especialmente, aos usuários do serviço público.

Mesmo quando a inércia do Poder Concedente é a principal causa de falhas na execução contratual, a Concessionária acaba podendo ser responsabilizada perante os usuários e os Órgãos de Controle.

A Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) prevê a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, o que pode levar a multas e penalidades, mesmo quando a falha decorre de omissão do ente público.

O fato é que independentemente da corresponsabilidade do Poder Concedente pelos problemas que afetam a execução dos serviços concedidos, as falhas na execução contratual configuram o cenário propício para que sejam aventadas: a possibilidade preliminar de intervenção e, posteriormente, de encampação ou caducidade.

Em alguns casos, as discussões extrapolam a via administrativa e são levadas a discussões judiciais.

No entanto, esse processo é complexo e extremamente moroso, o que, a primeira vista, poderia parecer interessante para o Administrador Público em exercício, mas extremamente prejudicial ao Poder Concedente, já que pode levar anos de litígio, trazendo insegurança jurídica para futuros investimentos no setor.

Seja como for, o fato indiscutível é que a falta de diligência do Poder Concedente compromete não apenas a sustentabilidade financeira das concessões, mas também a qualidade dos serviços prestados à população.

O cumprimento responsável, consciente e tempestivo das obrigações inerentes ao Poder Concedente, a adoção de processos mais céleres de solução de controvérsias promove o fortalecimento de mecanismos regulatórios e, juntamente com a observância das leis, garantem a adequada realização da execução dos serviços concedidos e a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Dr. Edgard Hermelino Leite Junior e Dra. Márcia Buccolo são autores do artigo.