A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, recentemente, que a medida excepcional de quebra de sigilo bancário e fiscal em ação de alimentos se justifica quando, diante de elementos concretos do caso, não houver outra forma idônea de conhecer a real condição financeira do alimentante.
No caso dos autos, foi ajuizada ação de alimentos em benefício de um filho menor de idade.
Nesta oportunidade, o juízo fixou alimentos provisórios para a criança.
Em sua contestação, o representante do alimentando apresentou planilhas demonstrando que as despesas mensais com a criança eram superiores ao que foi fixado provisoriamente pelo magistrado. Afirmou, ainda, que o alimentante tem elevada capacidade econômica, mas relatou dificuldades para apurar com precisão o montante de seus rendimentos.
Diante de elementos obtidos nos autos, o juiz de primeiro grau autorizou o acesso a dados do pai da criança, como aplicações financeiras, faturas do cartão de crédito e informações contidas na declaração do Imposto de Renda, para que fosse possível verificar as suas reais possibilidades financeiras.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de quebra de sigilo bancário e fiscal do pai da criança, por entender a medida razoável e necessária diante das circunstâncias do caso concreto.
No STJ, o pai do menor rebateu a alegação de sua expressiva capacidade financeira e afirmou que a medida de quebra de sigilo, além de representar uma invasão indevida em sua vida privada, é desnecessária, eis que os seus rendimentos já estavam demonstrados nos autos.
Fundamentos da decisão:
Para o relator do Recurso Especial (REsp) 2.126.879, ministro Moura Ribeiro, o direito ao sigilo fiscal e bancário não é absoluto, podendo ser relativizado diante da necessidade de proteger outros direitos fundamentais como, no caso, o direito à alimentação do filho menor.
Contudo, e é importante frisar este ponto, a quebra do sigilo permanece sendo medida excepcional e apenas pode ser autorizada quando, diante de elementos do caso concreto, não há outra forma idônea de se obter informações acerca da real capacidade financeira do alimentante.
Nesse contexto, de acordo com o ministro relator, com base nos fatos narrados e provas apresentadas pelas partes, havia uma fundada controvérsia acerca da capacidade financeira do pai, impondo a quebra do sigilo para se fixar o valor justo dos alimentos.
A fixação de alimentos no ordenamento jurídico brasileiro:
Como se sabe, o direito aos sigilos bancário e fiscal é um direito fundamental, isto é, uma garantia constitucionalmente protegida no artigo 5º, inciso XII, da Carta Magna e, ainda, no artigo 1º, § 4º, da Lei Complementar (LC) 105/2001.
No ordenamento jurídico brasileiro, a fixação dos alimentos está estruturada sobre o binômio necessidade/possibilidade, isto é, na necessidade de quem pleiteia e na possibilidade de quem deve prestá-lo.
Essa equação busca assegurar que o valor arbitrado atenda às exigências básicas e legítimas do alimentando, sem comprometer de forma desproporcional a capacidade econômica do alimentante. Trata-se de um ponto de equilíbrio delicado, que exige do julgador sensibilidade para compreender as particularidades do caso concreto.
A análise da necessidade envolve não apenas a subsistência mínima do menor, mas também as condições sociais e o padrão de vida, quando compatíveis com a realidade da família. Por outro lado, a possibilidade do alimentante deve considerar seus rendimentos regulares, obrigações pessoais e demais encargos, sem que se imponha um sacrifício que ultrapasse os limites do razoável.
Por essa razão, a proporcionalidade entre os dois vetores é essencial para garantir justiça na definição do valor da pensão.
É justamente para assegurar a fixação do valor da pensão compatível com a realidade financeira das parte, que, diante do aparente conflito entre o direito ao sigilo bancário e fiscal do alimentante e o direito à alimentação do filho menor, a Corte, no julgamento do REsp 2.126.879, entendeu pela prevalência do direito do alimentando, por tutelar a própria sobrevivência digna e o pleno desenvolvimento do menor de idade.
Nesse sentido, o sigilo patrimonial, embora relevante para a preservação da intimidade e da vida privada, cede diante da necessidade de assegurar a efetividade da prestação alimentar, sobretudo nos casos em que há indícios de ocultação de renda ou resistência injustificada à transparência financeira.
Conclusão:
A recente decisão do STJ reforça a compreensão de que a proteção aos direitos fundamentais exige ponderação criteriosa, especialmente quando estão em jogo interesses tão sensíveis quanto o sustento de um menor.
Em casos como o analisado pela Terceira Turma, a flexibilização do sigilo bancário e fiscal não representa um enfraquecimento das garantias constitucionais, mas sim a busca por um equilíbrio justo e necessário diante de circunstâncias concretas.
Diante da complexidade que envolve a fixação de alimentos, é essencial que os envolvidos contem com orientação jurídica qualificada, capaz de assegurar não apenas a observância dos direitos, mas também a condução responsável e estratégica do processo.
A equipe de Direito de Família e Sucessões do escritório Edgard Leite Advogados Associados está à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o assunto.
Renata Santos Barbosa Catão é autora do artigo.